terça-feira, janeiro 02, 2007

A «Lei-quadro da Regionalização», de Agosto/91.


Ler este esquecido e mal conhecido diploma legal (ver oportuno “link” num artigo do meu outro "blogue" - www.regioes.blogspot.com -, da autoria do Ant.º A. Felizes) ajuda a compreender muito bem até que ponto o poder político em Portugal sempre olhou as futuras Regiões Administrativas com desconfiança, curiosamente bem ao contrário do que sucedeu com a criação das Autarquias Locais e até com as Regiões insulares, às quais significativamente concedeu um generoso (e a meu ver injustificado) estatuto de autonomia política, recheado de benesses e honrarias (das quais a mais exagerada de todas será a dignidade de Conselheiros de Estado conferida aos chefes dos respectivos órgãos executivos, eleitos por sufrágio directo e pomposamente designados por Presidentes dos Governos Regionais), e obviamente sem a indispensabilidade de submeter previamente uma tão profunda e estruturante reforma a qualquer referendo popular!

Como facilmente se constata, tudo é inexplicavelmente diferente para o território continental! Desde uma absoluta desconfiança face ao órgão executivo regional, pejorativamente denominado de "Junta" (termo demasiado conotado com os organismos governamentais do tempo do Estado Novo e progressivamente extirpado da nomenclatura estatal, sendo o exemplo mais simbólico a renomeação da "mítica" Junta Autónoma das Estradas) e que não será eleito directamente, mas antes pela Assembleia Regional, até à subtil "tutela" dos Municípios a que as Regiões ficarão submetidas – grande parte dos membros da Assembleia Regional eleitos indirectamente pelas Assembleias Municipais, fazer depender a institucionalização em concreto de cada Região do parecer da maioria das Assembleias Municipais, etc., etc. –, tudo converge para tornar pouco mais do que irrelevante o impacte da actuação deste novo órgão executivo no funcionamento dos restantes poderes políticos já instalados – aos níveis central e municipal!

Isto para já não falar no apertado controle político a que o poder regional será sujeito por parte dos aparelhos partidários dos principais partidos políticos, ao impedir a formação de verdadeiros executivos regionais, eficazes e fortes, com base em eleições directas, sujeitando-os assim indirectamente ao crivo das estruturas partidárias concelhias, já que os executivos regionais terão que emanar, no seu todo, Presidente incluído, dos deputados eleitos para as Assembleias Regionais, ao contrário do que sucede, por exemplo, para o Governo, mas também para as próprias Câmaras Municipais, em que os Vereadores são eleitos em listas próprias, separadas das dos candidatos a deputados municipais!

Ao contrário, o previsto nesta Lei para os órgãos regionais, para além de representar um total desrespeito pela teoria da "separação dos poderes" – então elegem-se representantes para o poder legislativo para depois os mesmos serem "reciclados" para o poder executivo? –, consubstanciará, na prática, uma subalternização do Presidente da Junta Regional face aos senhores Presidentes das Câmaras, insuflados de poderes e também de uma superior legitimidade democrática, adveniente de a sua eleição ser por sufrágio directo – e que, aliás, só é igualada em Portugal, ao nível de órgãos executivos, pela do próprio Presidente da República!

Se juntarmos a estes aspectos, da maior relevância, outros que se podem considerar ainda muito importantes, como sejam a questão da composição do executivo municipal (um Presidente e obrigatoriamente apenas seis, ou quatro, “vogais”!!) e também a das competências das Regiões Administrativas (onde nem sequer figura um tema fulcral, pelo menos nas áreas metropolitanas, como o dos Transportes!) e muitos outros, será fácil antever a magnitude dos problemas que a aplicação desta Lei-quadro iria, forçosamente, suscitar.

Atente-se um pouco mais na questão – absolutamente central – dos executivos regionais. Para além da inconcebível limitação do seu número a um máximo de sete elementos (incluindo já o Presidente), e isto, note-se, somente nas Regiões com mais de 1,5 milhões de habitantes, que nas outras o máximo é cinco (compare-se, por um lado, com o número usual de membros do Governo e, por outro, com o Executivo de uma Câmara de um Município com, por exemplo, cerca de 150 000 habitantes, que ronda os onze Vereadores!), a própria designação dos mesmos – “Vogais” – está ao nível das Juntas… de Freguesia, o que obviamente constitui um sinal indisfarçável de menorização deste cargo!!! Que até nas Regiões Autónomas (com populações muito inferiores não só a todas as Regiões continentais, como mesmo a alguns Municípios do Continente), por exemplo, é justamente designado por Secretário Regional…

Por todos estes motivos, e já para não falar na arquitectura constitucional que sustenta a Regionalização, parece-me absolutamente indispensável rever em profundidade este desastrado diploma, aprovado seguramente à pressa já em pleno período das férias de Verão, para mais num ano eleitoral, há mais de quinze anos e que nunca foi posto em prática (mais do que enferrujado, portanto, quer pelo tempo, quer pela falta de uso...), antes de se encarar a sério a implementação da Regionalização!

Mais ainda do que o famoso e polémico mapa da Lei de 98, chumbado pelo Referendo, o articulado desta «Lei-Quadro da Regionalização» definitivamente não me parece estar em condições de algum dia ser utilizado seja para o que for, ou em que Região for!

É por isso que, a menos que tenha sido concebida, precisamente, para provar que a Regionalização não presta e que é um mal, esta infeliz Lei-quadro não tem hoje préstimo algum, se é que algum dia o poderá ter tido, e merece ser urgentemente despachada para o mesmo destino que a defunta "regionalização tranquila" de outros infelizes tempos...