quarta-feira, março 16, 2005

Descentralizar, Desconcentrar, Deslocalizar.

Hoje foi muito debatido o regresso a Lisboa das seis Secretarias de Estado pulverizadas pelo território nacional (Golegã, Aveiro, Faro, Coimbra, Braga e Évora) pelo anterior Governo.

A este propósito, muitas opiniões se expenderam, quase todas muito mal informadas. É uma pena ver um tema tão banal ser tão desconhecido da generalidade dos portugueses, que continuam a não saber distinguir estes três conceitos básicos.

Antes de se poder definir e solidificar uma opinião sobre qualquer assunto, é preciso algo mais do que a simples intuição - é necessário possuir algum conhecimento sobre o mesmo!

E então em que consistem, afinal, Descentralização, Desconcentração e Deslocalização?

É tão simples... Descentralização é o sistema pelo qual o poder de decisão sobre certas matérias é conferido a órgãos representativos apenas de uma determinada parcela do espaço total sobre o qual se exerce o poder de nível superior, os quais NÃO ESTÃO SUBORDINADOS aos órgãos representativos deste nível de poder. Tomemos exemplos:

1º - As autonomias dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira são uma forma clássica de descentralização: o poder central do País define algumas competências específicas que confere a órgãos regionais que, sobre essas mesmas competências (sejam elas Legislativas ou Executivas), são soberanos, EM EXCLUSIVO, ou co-responsáveis no território da sua Região;

2º - O Poder Local é também uma forma habitual de descentralização: no território de cada Concelho, os respectivos órgãos autárquicos são os únicos são responsáveis (ou co-responsáveis) por determinados assuntos, em substituição do Estado;

3º - A delegação de competências nas Juntas de Freguesia, por parte de uma Câmara Municipal, é também uma forma de descentralização.

Em vez disto, a Desconcentração consiste na criação de organismos com atribuições localizadas, mas DEPENDENTES da direcção do organismo central. Exemplos: as Direcções Regionais dos organismos do Estado (ou de Empresas Públicas), as quais são vocacionadas para lidar DE PERTO com as realidades da sua circunscrição geográfica, ou territorial, mas NÃO TÊM AUTONOMIA de decisão! O exemplo clássico são as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais, que estão sedeadas nas chamadas Regiões-Plano (N. U. T.'s II), mas que dependem funcionalmente da respectiva tutela ministerial.

Finalmente, a agora inventada "deslocalização" consiste apenas em transferir serviços para outros locais, SEM ALTERAR AS RESPECTIVAS COMPETÊNCIAS, concretamente, mantendo a mesmíssima abrangência territorial.

Simplificando: os Países europeus, na sua maioria, são DESCENTRALIZADOS, quase todos em dois níveis (Regional e Municipal) - Portugal apenas o é no segundo -, os organismos governamentais estão geralmente DESCONCENTRADOS, isto é, tal como as Empresas (e até os Clubes de Futebol...), possuem Delegações locais para estarem mais próximos das realidades, mas sem que isso implique qualquer transferência de poder de decisão, a qual permanece sempre centralizada; alguns organismos especiais (como a O. N. U., por exemplo, ou a U. E., e galhardamente também o nosso XVI Governo Constitucional...) preferem não ter todos os seus órgãos na mesma localização geográfica, por razões várias, optando por DESLOCALIZAR alguns organismos para locais diferentes, mantendo contudo a sua abrangência geral, em termos de competências.

Assim, ao contrário do que muita gente pensa, a deslocalização das seis Secretarias de Estado decidida pelo anterior Primeiro-Ministro NÃO constitui sequer uma desconcentração (o poder dessas Secretarias continuava concentrado, fosse em Coimbra, em Braga, ou noutra qualquer sede), muito menos uma forma de DESCENTRALIZAÇÃO, pelo simples facto de que o poder que elas exerciam onde estavam abrangia, POR IGUAL, o todo nacional. Ou seja, colocar uma Secretaria de Estado na Golegã não significa que os problemas específicos desse Concelho passem a ter um órgão próprio, uma vez que as funções desse organismo são exactamente as mesmas, quer ela tivesse sido localizada na Golegã, ou em Paio Pires.

A única diferença é que, para quem mora na Golegã, essa Secretaria de Estado passou a ficar perto (eu nunca fui a uma Secretaria de Estado, não sei bem que interesse isso possa ter...), mas por exemplo para quem mora em Vila Franca, ou em Mafra, ou na Lourinhã, passou a ficar mais longe. Vantagens? Insignificantes...

É como se a Capital de Portugal, em vez de ser Lisboa, passasse a ser 89% Lisboa, 2% Coimbra, 3% Braga e assim por diante. NÃO SE AVANÇA UM MILÍMETRO EM TERMOS DE DESCENTRALIZAÇÃO!

Apenas se baralha tudo muito mais e, obviamente, se faz maior desperdício de recursos, privados e públicos. Uma lástima...

Bom, por agora penso que será melhor deter-me. Proximamente tentarei dar uma panorâmica de como os Países nossos parceiros na Europa resolveram esta questão da Descentralização que, não sendo uma prioridade (infelizmente...), é importante e contribui decisivamente, na minha opinião, para conferir VANTAGENS COMPETITIVAS a esses Países face ao nosso. É pena, muita pena, que alguns "Velhos do Restelo" não tenham compreendido isto há sete anos!... Mas é uma mera questão de tempo. Quanto, é o que importa neste momento, acima de tudo, influenciar!

E regresso ao início: neste assunto (como aliás em todos), antes de opinar, é muito conveniente APRENDER!

E esta é ainda, infelizmente, uma discussão POR COMEÇAR, no nosso País, em termos adequados.

4 Comments:

Blogger A.Mello-Alter said...

Cá estou de novo. Vou guardar o teu "post"para ler com calma.
Depois comento.
ps:Já enviei a notívia aos amigos.

8:11 da tarde  
Blogger A.Mello-Alter said...

DESLOCALIZAÇÃO
Em boa hora se acabou com história da Deslocalização das Secretarias de Estado.
Foi uma medida tipicamente “santanete”. Provavelmente, Santana Lopes até o fez por não perceber a diferença entre a deslocalização que fez, e a descentralização que pretendia fazer. E como não teve ninguém que lho explicasse, saiu trapalhada.
Aconteceu, promotores turísticos de Coimbra, deslocarem-se a Faro à Secretaria de Estado, e serem obrigados a voltar a Lisboa, porque todos os serviços dependentes ficaram na capital. Certamente que terá acontecido o mesmo noutros casos.
Quem tirou benefícios, foram alguns dos jovens Secretários de Estado, que residindo em Lisboa, recebiam o subsídio inerente à deslocação, e continuaram a usar o carro atribuído para vir todos os dias pernoitar a casa.

3:57 da tarde  
Blogger Ant.º das Neves Castanho said...

Amigo a.mello-alter, gostaria tanto de te poder dizer que estás enganado!...

Mas não, é muito verdade. Por isso é que eu cada vez mais me convenço de que a nossa classe dirigente, inculta, ignorante, impreparada, arrogante, tem mesmo que ser desvalorizada e desmascarada. Para mim, a melhor arma é a indiferença. Usemos a inteligência e a pedagogia, através deste e doutros meios ao nosso dispor, e comecemos a recuperar o (muito) tempo perdido, para não mais voltarmos a ter de nos queixar dos políticos. Deixemos de nos preocupar com eles! Façamos com que eles se preocupem connosco! Há redobrados motivos de esperança: veja-se o que aconteceu em Espanha, com as eleições do ano passado (o embuste do azarado Aznar e a pronta reacção popular, através dos SMS's...) e, também, o significado do que aconteceu no último ano em Portugal!

Como disse o poeta, "ACORDAI, Homens que dormis!" (J. Gomes Ferreira).

8:40 da tarde  
Blogger Ant.º das Neves Castanho said...

Caro amigo Sérgio, concordo com a absoluta necessidade de uma autêntica Regionalização, como forma comprovadamente mais eficaz e testada de DESCENTRALIZAR a Administração Pública, e também com a urgência de se iniciar um debate sério e frutuoso, ao nível político e social, sobre este tão desconhecido, mistificado e maltratado assunto.

Quanto à sua urgente implementação, bem, também não vamos agora caír na tentação de fazer à pressa (e, eventualmente, mal) o que os outros Países já fizeram devagar e bem.

Que é um problema muito sério e indesculpavelmente desprezado pela classe política (compreende-se porquê...), também não tenho quaisquer dúvidas.

Por isso, aceito o teu repto e vou tentar desenvolver um pouco as minhas ideias principais sobre o assunto, já no próximo texto a publicar por mim no "blog".

Entretanto, recomendo a todos a leitura de um notável artigo de Jorge Cordeiro («Os Caminhos Ínvios da "Descentralização"»),publicado na Revista «PODER LOCAL», no número 144 (de Jan./Jun. de 2 004).

9:09 da tarde  

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