quinta-feira, abril 28, 2005

Democratizar: o Poder Local!



Falou-se hoje muito na candente questão da alteração da eleição para o órgão "Câmara Municipal". Eu bem sabia que, mais tarde ou mais cedo, a tão propalada "conquista fundamental de Abril" (o famigerado "Poder Local") iria começar a desmoronar-se pelas costuras...

Antes de entrarmos na "matéria", espaço para a maior das perplexidades: então, afinal, a forma de eleição actual dos Executivos Municipais não é a mais adequada? E só agora é que se descobriu? Ou só agora é que isso se tornou importante? E, então, de quem foi a culpa por esta situação? Andaram-nos a enganar durante 29 anos? E quantas mais situações como esta estaremos ainda para descobrir no nosso sistema político? São muitas e muito sérias questões, é evidente. Mas, como todos sabemos, a profissão de político (ou será antes a de "legislador"?) não está sujeita, como as outras, a juízos de valor de mérito (sim, sim, competência técnica, meus amigos, ou não é preciso tirar uma Licenciatura para se ser jurista??!!!), e muito menos à natural imputação de responsabilidades, profissional, civil, ou mesmo criminal (há Leis que podem ser responsáveis por crimes?). Erre um Médico, ou um Enfermeiro, ou um Polícia, ou um maquinista da CP e vamos lá, rápido, para o "apuramento de responsabilidades". Mas, no tocante às Leis da República - a começar, obviamente, pela Constituição! -, aí a culpa já pode morrer solteira? É, pois, o que parece.

Câmaras maioritárias (ou mono-partidárias), eis a questão. Sim, eu também acho que é uma questão. Menos importante do que outras, é certo (como a cada vez mais insidiosamente impingida questão dos círculos uni-nominais, que abordarei a seu tempo), mas uma questão relevante.

Só que, mais uma vez, me parece estar mal colocada e, para variar, destinada a ser "resolvida" à pressa e a martelo.

Confesso que não conheço ainda os projectos-lei do P. S. e do P. P. D., que terão sido hoje aprovados na generalidade pela A. R., por isso desde já insto e agradeço a quem queira esclarecer-me, mas o que se disse hoje na rádio deixou-me apreensivo.

Finalmente, estes dois Partidos descobriram que os Executivos pluri-partidários não são eficazes, nem garantem a necessária transparência democrática, o que é óbvio. Não se percebe é por que não foi tal problema resolvido em 75/76, pois se nada se modificou, em termos de argumentos, desde então. E não eram estes Partidos maioritários na Constituinte? E não foi com o voto conjunto deles que se aprovou a Lei Eleitoral e se operaram todas as revisões constitucionais e das leis eleitorais desde então? Adiante...
Mas então, concordemos (se o mal foi feito, agora há que remediá-lo e mais vale tarde que nunca...). Aceitemos os Executivos maioritários, ou mesmo mono-partidários (mais à frente voltarei atrás, para discutir esta dicotomia), com base em critérios de eficácia e coesão política, e à semelhança de outros órgãos executivos colegiais - Governo e Juntas de Freguesia, por exemplo. Deixemos o carácter representativo para a Assembleia Municipal, à semelhança de outros órgãos legislativos (A. R., Assembleias de Freguesia). Então estaremos no caminho certo.
Sim, mas falta qualquer coisa! É preciso GARANTIR que a Câmara Municipal só tem mesmo poderes executivos e que a TOTALIDADE do poder legislativo reside na Assembleia Municipal. E não é isto o que se passa hoje (em teoria e, sobretudo, na PRÁTICA). Mas está esta garantia nos projectos de Lei hoje remetidos para discussão na especialidade? Espero bem que sim, mas não tenho a certeza e AINDA NÃO OUVI NINGUÉM DISCUTIR ISSO!
Mais uma questão, muito importante. Admitamos que as Câmaras Municipais são efectivamente expurgadas de todas as competências do foro legislativo, que transitam naturalmente para as Assembleias Municipais (conferindo, aliás, a estes órgãos uma importância e uma dignidade de que hoje, infelizmente, não dispõem). Deixamos ao Presidente da Câmara a liberdade para escolher os seus Vereadores, ou serão também eles eleitos nominalmente? E podem ser demitidos pelo Presidente da Câmara, ou mantêm o mandato até ao fim, se assim o desejarem (ao contrário dos Ministros e restantes membros do Governo)? É que a Democracia tem regras para todas estas situações, o que não admite é a ausência delas (isto é, o arbítrio dos detentores do poder). Mas estas questões estão previstas? Nada se disse em público.
Quanto a mim, e aproveitando para regressar agora à questão da maioria absoluta dos Vereadores (versão P. S. D.) versus mono-partidarismo na Câmara (versão P. S.), tudo isto só fará sentido quando artuiculado com as questões de legitimidade atrás expendidas. Por mim, trata-se de uma questão secundária, ou menos decisiva, se preferirem. Parece-me legítimo que, se queremos uma Câmara Municipal realmente 100% executiva, eficaz e claramente responsabilizável no fim do seu mandato, então fará mais sentido a versão socialista.
Só que, neste caso, a Câmara Municipal deve ser eleita por maioria absoluta, tal como o Presidente da República, se necessário através de DUAS VOLTAS. Maioria absoluta que pode resultar de uma lista mono-partidária, ou de uma lista de coligação, evidentemente, sendo possível criar essa coligação APÓS a primeira volta (como quando um candidato presidencial declara o seu apoio a outro, na segunda volta). Admito ainda que, havendo uma coligação com maioria absoluta ao fim da primeira volta, seja dispensável uma ratificação em segunda volta.
Assim sendo, seriam eleitos directamente o Presidente da Câmara e os Vereadores, que ficariam porém dependentes da manutenção da confiança política por parte do Presidente.
Tudo isto ficaria bastante mais claro, no meu entender, se simultaneamente se desfizesse a coincidência de mandatos entre o Presidente da Câmara e a A. M., podendo esta ser eleita por sete anos, por exemplo, e a Câmara Municipal por cinco. Assim far-se-ia uma eficaz distinção entre órgãos legislativos e executivos, obrigando estes a aceitar trabalhar com Assembleias eventualmente em ciclos diferentes, e vice-versa.
Com as consequências que isto tudo teria numa aproximação entre eleitos e eleitores, e confiança no sistema político, através de um maior rigor no desempenho das funções daqueles, e da desarticulação das verdadeiras redes de tráfico de influências e nepotismo em que a ausência destes rigor e transparência transformaram o exercício do Poder Autárquico em Portugal, a ponto de o tornar quase num elemento de desprestígio da nossa Democracia.
E o Poder Local é a base, e muitas vezes a escola, do nosso sistema político democrático...

1 Comments:

Blogger Ant.º das Neves Castanho said...

Não é que eu tenha certezas, não se trata disso. Tenho é algumas convicções, que me conduzem às reflexões que coloquei por escrito.

Mas parece-me que temos de concordar que, em demasiados aspectos, o balanço da actividade do poder local, sobretudo após a entrada na U. E., é mais que negativo, é desastroso.

Sobretudo nos Municípios mais "desenvolvidos", mormente nas duas Áreas Metropolitanas (há quem diga que há mais...). Só quem não as conhece não se apercebe do que não foi, nem está a ser feito, ou foi (muito) mal feito. Estou obviamente a falar de Ordenamento do Território, Ambiente, Urbanismo e Habitação, que são algumas das competências mais importantes (e quase exclusivas) das Autarquias, em termos daquilo que podem influenciar directamente a qualidade de vida do Cidadão.

Claro que há bons exemplos, mas são as (louváveis) excepções à regra. Em todo o caso, com o meu texto não pensava lançar esta discussão, que aliás acho muitíssimo importante (para mais em ano de eleições autárquicas), mas tão-somente pretendia comentar o facto concreto relativo à pretendida alteração da lei eleitoral para as Autarquias (os dois projectos que foram ontem aprovados na generalidade).

E embora concordando parcialmente com o Sérgio, nas questões de fundo, há algumas questões que não devem passar sem esclarecimento.

A exigência de Câmaras Municipais governadas por maiorias absolutas não decorre da necessidade de maior estabilidade. A argumentação apresentada prende-se, isso sim, com questões de EFICÁCIA e COERÊNCIA da acção deste órgão executivo e, ainda, com a TRANSPARÊNCIA POLÍTICA indispensável a um balanço objectivo da respectiva actividade.

Concordo que a experiência, neste campo, não é totalmente má. Que da colaboração entre Vereadores de forças políticas distintas, ou mesmo opostas, também pode resultar eficácia e transparência, bem como uma enorme pedagogia democrática.

Mas são resultado de condicionalismos muito particulares, locais ou pessoais, e não dão garantias de se tornarem regra.

Por outro lado, a existência de Vereadores da oposição, muitas vezes actuando a título meramente pessoal (ou de grupo), desligados das orientações oficiais dos respectivos Partidos, não contribui certamente para a limpidez da vida política autárquica.

Por último, o sistema actual de executivos híbridos, podendo embora exigir uma mais profunda e alargada discussão dos assuntos (mas à custa da eficácia, note-se), não tem conduzido, como se sabe, a qualquer aumento de participação pública na tomada de decisões, mesmo as mais importantes (Orçamento participativo...).

Por isso, inclino-me a concordar com a vantagem de transformar as Câmaras Municipais em órgãos verdadeiramente executivos, repito, como são o Governo e as Juntas de Freguesia (onde ninguém questionou até hoje a falta de representatividade, por não ser própria de órgãos executivos), desde que garantidos os aspectos de rigor democrático que referi, ou seja, a transferência de todas as competências legislativas para o órgão representativo por excelência (a Assembleia Municipal), uma verdadeira fiscalização da acção das Câmaras Municipais (que não está garantida com a pluralidade, muitas vezes apenas fictícia, de representação partidária) e a garantia de que as maiorias absolutas correspondem a uma escolha autêntica do eleitorado (como na eleição do Presidente da República) e não à transformação, "na secretaria", de maiorias relativas (às vezes tangenciais) em maiorias absolutas (ou até mono-partidárias).

Com estas (e eventualmente outras) garantias, penso que com as alterações previstas talvez se dê um passo no caminho certo, que, para mim, será sempre o do aprofundamento do carácter democrático e eminentemente participativo do Poder Local.

Por último, não me parece que estas medidas favoreçam, de qualquer forma, o bi-partidarismo! Antes pelo contrário: Maiorias absolutas podem, aliás, exigir a concretização de alianças, pré ou pós-eleitorais, entre várias listas.

E, obviamente, não se esgotam aqui as mudanças que considero necessárias para reforçar o que disse serem os objectivos fundamentais de quaisquer reformas a este nível: o aperfeiçoamento democrático do sistema eleitoral e o aumento da participação cívica dos Cidadãos na gestão dos Municípios.

6:12 da tarde  

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