segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Mais de 4000 Freguesias: queremos que elas se fundam?

Começa a tornar-se muito interessante a frequência com que estes temas têm sido suscitados em Portugal nos últimos dias…

Agora são as Freguesias e a recente proposta do Governo para alterar o respectivo mapa – atenção adversários da Regionalização, que vai “dividir” o nosso pequeno e homogéneo país: já repararam que ele se encontra terrivelmente dividido em mais de quatro mil pedaços?...

Embora o tema seja discutível, na sua importância e prioridade, ainda assim acho louvável que o nosso assoberbado Governo perca algum do seu precioso tempo a preocupar-se com a nossa organização territorial, ainda que neste caso “apenas” com as Freguesias. Porque pelo menos tem o mérito de suscitar a discussão de algo que está à espera de reforma profunda há mais de vinte e cinco anos! E uma coisa acaba sempre por levar a outra…

Freguesias: mais de 4000. Para que servem? O que fazem? Qual a sua importância? Para além do seu valor simbólico e tradicional...

Parece-me evidente que a resposta a estas questões só pode ser uma: depende! E depende de quê? Para mim, de um aspecto crucial: se ela se encontra inserida em meio rural, ou em meio urbano. Esta a grande reflexão que me proponho hoje suscitar: a primeira questão que deve ser encarada nesta problemática é a de saber se continua a fazer sentido tratar todo o território do mesmo modo (de acordo com o chamado princípio da universalidade), se as Freguesias serão mesmo “todas iguais”, ou se não deveria haver algumas “mais iguais do que as outras”.

Parece uma heresia, dito assim, mas vou tentar explicar o meu ponto de vista. No actual estado de desenvolvimento do País, estou em crer que há que encarar de frente esta realidade: há uma vincada diferença geográfica e demográfica entre as Cidades e os Campos. Entre a paisagem rural e a ocupação urbana. E sendo isto uma verdade insofismável, penso ser necessário e justo que ela se traduza em termos da nossa organização administrativa. É este, aliás, o raciocínio que fundamenta a existência de Áreas Metropolitanas e que esteve na base das reformas cosméticas introduzidas no tempo de Durão Barroso, com a instituição das chamadas Comunidades Urbanas e Associações Inter-Municipais (ou coisa que o valha: já pertence tudo ao passado…).

Com base nesta discrepância, nem sempre muito clara, concedo, parece-me contudo a mim vantajoso introduzir uma diferenciação inovadora na Lei entre Freguesias rurais e Freguesias urbanas – e estas talvez nem se devessem chamar Freguesias.

Mas não fico por aqui. Na mesma linha de pensamento, ainda que pudessem manter nomenclatura semelhante, também se deveria distinguir legalmente entre Municípios urbanos e rurais! Cada um integrando o tipo de Freguesias correspondente.

Deste modo, as Freguesias rurais, por todas as razões e mais algumas, poderiam manter a sua configuração actual, a menos de alterações pontuais (fusões ou divisões) espontanea e livremente acordadas entre as populações e os órgãos representativos interessados (Assembleias Municipais e de Freguesia), quase sem interferência por parte do Governo. Até porque as Freguesias dependem, na prática, muito mais das Câmaras Municipais do que do Estado.

As Freguesias urbanas, essas sim, que na esmagadora maioria dos casos não têm para as populações a importância que as rurais detêm, deveriam ser profundamente restruturadas no sentido de uma maior homogenização, ao contrário do que hoje sucede – vejam-se os conhecidos exemplos extremos das Freguesias do Castelo, em Lisboa (minúscula!), e do Algueirão, no Concelho de Sintra (gigantesca!).

Só assim, aliás, faria sentido uma maior autonomia deste nível administrativo face ao poder municipal, ao contrário do que hoje se verifica. E seria possível alterar o quadro legal de competências e de meios deste novo tipo de Freguesias. Obviamente diferente do que ficaria instituído para as Freguesias rurais, que naturalmente continuariam a manter um padrão de muito maior heterogeneidade e que, para além disso, lidam muito mais directa e afectivamente com as populações que servem.

Mas a questão das Freguesias urbanas pode ainda ser mais aprofundada: estas entidades administrativas deveriam não apenas sofrer uma profunda restruturação, mas mesmo tendencialmente extinguir-se nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto! Onde haveria que, em simultâneo, restruturar os respectivos Concelhos!

Dou exemplos: num quadro de funcionamento normal das Regiões Metropolitanas de Lisboa e Porto, com órgãos próprios democraticamente eleitos e atribuições que em parte iriam receber dos actuais Municípios, que sentido continuariam a fazer os Concelhos actuais do Porto e de Lisboa? E os Concelhos anormalmente “engordados” com populações muito mais identificadas com estas duas urbes do que com os seus Municípios, como Gaia e Sintra? Ou mesmo Almada e a Amadora?

Com a extinção das Juntas de Freguesia no interior das duas Regiões Metropolitanas, haveria lugar para um redimensionamento dos seus Concelhos (não necessariamente todos), que assim absorveriam as reduzidas competências das Juntas e que colmatariam algum distanciamento que o poder metropolitano poderia de início suscitar. Seria então a vez de repensar a criação de Concelhos mais pequenos e operacionais, eventualmente recuperando Municípios outrora existentes (como Belém, ou os Olivais, em Lisboa), ou então redesenhando-os de raiz, com base nas realidades sócio-geográficas do presente.

Todo um longo trabalho que esta recente proposta do Governo não faz mais do que antecipar e perspectivar, mas que carece de uma arquitectura global para poder ser encarada como visando mais além do que a mera resolução de dificuldades conjunturais…

No entanto, toda esta grandiosa reforma estrutural deve ser levada a cabo com os indispensáveis bom senso e moderação. O nosso mal pode ser grande, mas a verdade é que o País vem funcionando assim há muitas décadas e não pode ser sujeito a terapias de choque.

Há pois que ter paciência e perseverança. Como perante um paciente que sabemos ter uma doença (ou uma dependência) grave e carecer de prolongado tratamento, não podemos prescrever-lhe uma cura “milagrosa” e tão drástica, que ainda lhe cause mais dano do que a sua própria enfermidade…