terça-feira, março 28, 2006

GOVERNOS CIVIS: DEZOITO OU CINCO?

Na passada Sexta-Feira foi tema de um conhecido programa radiofónico matinal de debate público o anúncio, feito pelo Governo, de pretender, a prazo, reduzir o número de Governadores Civis dos actuais dezoito, correspondentes aos Distritos do Continente, para cinco, acompanhando assim o número de «Regiões-Plano». Esta medida inserir-se-ia, supostamente, numa necessária reforma do aparelho de Estado conducente à sua adaptação atempada, tendo em vista já a futura Regionalização.

Pois bem, houve logo quem saltasse a terreiro criticando este anúncio (bastante inóquo, aliás, já veremos porquê), ou por ser demasiado tímido, ou então porque já seria um exagerado primeiro passo para uma “imposição intolerável” da Regionalização, que mais dia menos dia estaria em marcha de uma forma irreversível e sem o indispensável debate, para mais “contra a vontade do eleitorado”, expressa no Referendo de há sete anos!

Antes ainda de se tentar clarificar esta histeria injustificada, acrescente-se que, ao longo de todo o programa, se deixou ficar (muito por culpa de alguns dos políticos intervenientes, mas também do comentador de política nacional entrevistado logo no início) a ideia errónea de que a Regionalização implicaria o fim dos Governos Civis. Ou seja, pouco ou nada se contribuíu, na prática, para o esclarecimento público no tocante a uma matéria tão relevante e delicada quanto mal conhecida…

Bom, mas vamos então ao fulcro da questão: qual a relação entre os Governos Civis e a Regionalização? Teoricamente, nenhuma. Isto porque os Governos Civis constituem órgãos desconcentrados do poder central, que deverão continuar a existir independentemente de se implementar ou não a Regionalização. Estão sobretudo ligados ao Ministério da Administração Interna e exercem funções de soberania NACIONAL, essencialmente ligadas à Protecção Civil e à Segurança Pública. Poderão naturalmente ver um pouco reduzidas as suas competências com a Regionalização, mas nada de muito importante, atendendo a que as citadas matérias nem sequer são das que maior vocação possuem para ser descentralizadas.

Concluindo: em princípio o Governo faz bem em ponderar adaptá-los à estrutura espacial das actuais «Regiões-Plano», uma vez que, após a Regionalização, continuarão a ser necessários e convém que estejam devidamente articulados com a nova estruturação administrativa do País subsequente à mesma.

Não têm por isso quanto a mim razão de ser as (incompreensíveis) críticas do PSD que, após quase quatro anos de Governo em que nada adiantou ou opinou quanto a este cargo, clama agora, com uma bizarria e impunidade política só compreensíveis pela situação actual deste Partido, que os Governadores Civis deveriam ser de imediato nada menos do que extintos, tudo por causa do “défice”, evidentemente! Patológico, sem dúvida. Sintomático e bastante desolador.

Em primeiro lugar porque, de acordo com a nossa Constituição, os Distritos serão obrigatoriamente mantidos até à “instituição em concreto” da Regionalização. Concorde-se ou não com esta disposição que, diga-se de passagem, também não abona grandemente em favor dos conhecimentos dos constituintes, iniciais e revisionistas, quanto a esta matéria…

É até com base nesta imposição constitucional que o Governo se escuda para não proceder desde já à pretendida redução, se bem que, numa interpretação mais técnica e menos formalista do texto constitucional, me pareça que a manutenção dos Distritos não obrigaria a que, a cada um, correspondesse um Governo Civil. Mas admito a opinião contrária, não sendo eu especialista em Direito Constitucional, e aceito as “desculpas” do Governo.

Daí que, na prática, esta sua proclamada intenção seja como disse bastante inóqua, porque nada adiantará, eventualmente, sem uma revisão constitucional, que permita a sua concretização prática.

Perdem razão por este motivo igualmente as críticas do Bloco de Esquerda, que após ter combatido a proposta concreta de Regionalização submetida a referendo exige agora a redução imediata do número de Governos Civis para cinco, como se isso viesse de alguma forma contribuir para a descentralização administrativa!

No final de tudo isto, resta assim apenas a louvável intenção do Governo de trazer este assunto de novo à discussão pública, ficando-se com a ideia de que estará de facto a fazer o seu “trabalho de casa” na perspectiva da Regionalização, mas pairando igualmente a sensação de que pretendeu explorar em demasia esta sua tímida intenção, dado que, na prática, a adaptação das estruturas do Estado à Regionalização só interessa, por definição, ao próprio poder central e não traduzem, em concreto, nem um milímetro que seja de avanço neste processo, ao contrário da ideia que, aparentemente, se parece pretender deixar no ar…

Quanto à medida em si, para além das “boas intenções” que lhe possam estar subjacentes, parece-me óbvio que, não tendo qualquer relevância efectiva para a verdadeira descentralização administrativa que se pretende através da Regionalização, só poderá no fundo trazer meros benefícios de ordem económica para o País (insignificantes), que não para o interesse público, uma vez que a supressão de treze Governos Civis constituirá, ao invés, uma drástica redução da desconcentração actual do aparelho do Estado, afastando ainda mais Cidadãos dos seus serviços e tornando a administração tanto mais longínqua quanto esta mudança seja efectuada… antes da implementação da Regionalização!

E é claro que esta medida afectará, mais uma vez, muito especialmente quem viva fora das cinco grandes “capitais regionais”: Porto, Coimbra, Lisboa, Évora e Faro…

A menos que se mantenham nas actuais sedes de Distrito algum tipo de serviços, do género das “Lojas de Cidadão”, que mesmo na ausência de Governador Civil assegurem, com maior nível de proximidade, as suas actuais funções. É pois uma questão a seguir atentamente.

Quanto à descentralização administrativa, como se vê, é assunto totalmente diverso. Mas algo se pode sempre ganhar com esta discussão de hoje: é importante sublinhar que a Regionalização não implicará o desaparecimento dos órgãos desconcentrados da Administração Central nem, muito menos, a proximidade entre o Estado e o Cidadão (e, por maioria de razão, as Autarquias e as Regiões!) no tocante aos assuntos que são da sua competência própria. Por outras palavras: a Regionalização não se fará CONTRA o Estado! Nem contra o Poder Local!

É muito importante sublinhar este aspecto, até porque constitui o âmago de muitas das desconfianças e preconceitos contra a Regionalização.

Que é um processo que não deve ficar associado a nenhum Partido, nenhum Governo, nenhuma ideologia! Trata-se de uma profunda reforma democrática do Estado, que deve fazer-se com o máximo consenso e respeitando todas as opiniões adversas. Que também é necessário compreender. Para melhor se poderem desmontar e modificar, pela persuasão e esclarecimento.

Para evitar fracturas sociais e políticas nocivas num processo que terá de ser de todos, pacífico, abrangente e necessariamente lento e feito com todo o cuidado, como o foi aliás nos restantes Países europeus (e não nos esqueçamos de que apenas a Finlândia e o Luxemburgo ainda não o concretizaram, no segundo caso por razões evidentes…).