sexta-feira, abril 29, 2005

Comentário e outras reflexões a propósito de...

... “Venda livre de medicamentos e afins”


Suscitou o Luís Martins, no passado dia 26 de Abril, o tema da venda livre de medicamentos e o anúncio feito a esse respeito na tomada de posse do actual Governo. Só meio de acordo.

Questão prévia: Era este o objecto de um discurso de tomada de posse? Fica assim demonstrado que não cede a "lobbies"? Não julgo que seja verdade em qualquer dos casos.

Quanto à matéria de discussão: Lembro em primeiro lugar que o Governo veio a posteriori especificar – e se o fez foi porque sentiu necessidade de "corrigir o tiro/clarificar” – que afinal a venda livre passaria não pelo acesso directo ao medicamento, mas pela existência de um técnico de farmácia - só que localizado em superfícies comerciais que não uma farmácia – e que, afinal, não seriam todos os medicamentos de venda livre, mas uma parte destes, que o «Infarmed» ou outra entidade competente indicasse - que avaliasse a venda da pílula do dia seguinte e outras.
Parece-me assim que alguns dos comentários e questões inicialmente suscitadas não seriam tão desprovidas de sentido.

A questão da propriedade: O que me parece inadmissível é este negócio ser fechado e condicionado a uma habilitação académica. Qualquer cidadão, se tiver recursos, pode montar um hospital (onde naturalmente terá responsáveis habilitados pelos serviços de saúde que presta), mas não pode abrir uma farmácia! Digamos que, com os novos esclarecimentos, o governo vem abrir uma brecha nesta lógica. Fica agora a dúvida sobre porque é que não enfrenta claramente esta questão. Mesmo tendo em conta a necessidade da não generalização do acesso a este sector económico – pelo serviço social que presta e que tem que garantir (serviço nocturno, etc.) e a necessária viabilidade económica (que, dizem, impõe limitações ao número existente), deveria qualquer cidadão poder candidatar-se a um concurso de abertura de novas farmácias (independentemente da habilitação).

As farmácias sociais e nos estabelecimentos públicos (de saúde): E sobre isto é que nada continua a ser feito! Tem algum sentido que, indo uma pessoa a um estabelecimento de saúde, saia de lá com uma receita que tem de ir aviar a outro sítio? Isto é mais grave na situação das urgências e, em particular, nas urgências nocturnas. E é ainda mais chocante nestas situações com pessoas dependentes (em particular crianças, deficientes e idosas). Porque é ainda mais discriminatório do ponto de vista das pessoas que não têm outro auxílio e têm menor capacidade económica. Explicando: Uma pessoa sem carro próprio (menor capacidade económica) e sem outra pessoa que a auxilie (por qualquer que seja a razão), vai a uma urgência nocturna pediátrica e depois de ser atendida tem que ir comprar um medicamento para começar a tomar ou ter de prevenção "para tomar em SOS". Como vai à farmácia de serviço? De táxi? Mas não será o grupo social menos capaz para o fazer? Tendo que levar consigo a criança (que se encontrando doente, que tem uma indisposição e que deveria era ir para casa descansar)? Esta não deveria ser uma responsabilidade do sistema? Podemos tolerar isto?

Uma dúvida final: Num país com indicadores de consumo de medicamentos e auto-medicação, ao que consta, muito assinaláveis (acima da média), subsiste para mim a dúvida sobre o efeito que pode ter a aproximação do medicamento ao cidadão. Note-se que, na venda só em farmácias, a compra de um medicamento impõe uma atitude pró-activa, isto é, quem quer comprar tem que se deslocar especificamente para esse fim, ao passo que, a partir daqui, o medicamento vai ao encontro do cidadão (está ali, onde o cidadão está). Podemos estar a induzir a aquisição de mais medicamentos?

É, pela falta de resposta a estas questões, julgo que o relevo do anúncio na tomada de posse do Governo terá sido excessivo. É, não tenho a certeza que tenham sido assim dadas as respostas totais que este assunto requer. É, não tenho a certeza que afrontar o "lobby" tenha sido a prioridade (o problema das farmácias nos hospitais não foi tocado).

Em suma: Estou de acordo que é necessário dar um pontapé de saída, que é necessário romper com a intocabilidade das farmácias, estou satisfeito com alguns dos esclarecimentos que o Governo acrescentou posteriormente. Mas lamento que sobre as farmácias nos estabelecimentos de saúde – questão particularmente importante para os mais desfavorecidos e com dependentes sem outro apoio – nada tenha sido tocado. Sendo certo que a venda de alguns medicamentos, não condicionados a prescrição médica, em grandes superfícies rompe com a exclusividade do negócio desses medicamentos, tenho dúvidas sobre o que continua a vedar a qualquer cidadão que não tenha uma grande superfície ou não seja licenciado em farmácia o acesso ao mercado dos medicamentos e ao negócio das farmácias. Terá mesmo sido afrontado o "lobby"? Haverá assim tanta coragem nesta medida?

Do mal o menos, é verdade. É preciso começar por algum lado, é verdade. Ficou o assunto resolvido? Não me parece.

Estou meio de acordo contigo, Luís Martins. Ou provavelmente estamos ambos a falar da mesma “garrafa meio cheia ou meio vazia”.


António Sérgio Manso Pinheiro,


Abril de 2005.

2 Comments:

Blogger Ant.º das Neves Castanho said...

Quanto a isto, vejamos, estou de acordo quanto à necessidade de resolver todos esses problemas, mas pergunto: por que nunca foram antes equacionados? E porquê vir agora invocá-los a propósito da anunciada resolução de outro problema, com estes relacionado, mas diferente e isolável?

O facto de estar de acordo com a necessidade de dar resposta às questões enunciadas neste texto, que aliás me parecem bastante pertinentes e, aparentemente, de resolução fácil (o que atesta bem da forma como temos vindo a ser governados nas últimas décadas...), não tira mérito à intenção deste Governo de legislar sobre a venda de medicamentos fora das Farmácias.

Se só nos satisfizermos quando TODOS os problemas estiverem resolvidos, então cairemos fatalmente na banalização do bom e do mau (e de todas as graduações de valor intermédias) à espera do óptimo, que o mais certo é nunca chegar...

Resumindo: parabéns ao Governo por pretender mexer num assunto importante e esquecido, incompreensivelmente, há demasiado tempo, ainda que seja apenas um passo, o que conta é que se pressinta uma MUDANÇA DE RUMO! O resto virá, espero, a seu tempo.

E obrigado, Sérgio, por vires contribuir para um maior enquadramento e explicitação da problemática mais global onde este assunto se insere. Estou genericamente de acordo com todas as tuas ideias, mas vamos dar tempo ao tempo.

Se em 31 anos de Democracia ninguém mexeu uma palha, há que ser benevolente (e, cada vez mais, MUITO crítico para com os Governos anteriores, sobretudo a partir do último que, quanto a mim, soube desempenhar globalmente bem a sua missão: o Governo Mário Soares-Mota Pinto...).

6:57 da tarde  
Blogger Ant.º das Neves Castanho said...

Sim, também acredito que há razões para voltar a ter esperança na política e nos nossos governantes, finalmente...

6:31 da tarde  

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