quinta-feira, setembro 13, 2007

E O QUE É QUE O IRRITA A SI EM JOSÉ SÓCRATES?




O que é que o irrita em José Sócrates?

“He is shallow!”. Não há palavra em português. Não tem um fundo cultural político, uma visão histórica do país, um pensamento organizado sobre a sociedade portuguesa. É “shallow”. Não tem dois milímetros de profundidade!

(Extracto de uma recente e conhecida entrevista de Vasco P. Valente, historiador, ao jornalista Ant.º José Teixeira; à mesa do Restaurante Gam… - enfim, para publicidade, já basta a entrevista propriamente dita… -, como seria de esperar em Portugal…)



Três aspectos mais salientes desta extensa entrevista (cujo “sumo”, aliás, se resume a esta pequena amostra):

1º) José Sócrates, Licenciado em Engenharia Civil e Primeiro-Ministro de Portugal, eleito com base na primeira maioria absoluta do Partido Socialista desde sempre em Democracia, irrita o famoso entrevistado. Porquê? A resposta é dada, como é de bom tom nos tempos que correm, por recurso a um vocábulo inglês: porque é “oco”, ou melhor, porque não tem “espessura”!

Um vetusto historiador, ex-governante e Deputado e actual “analista político”, formado em Filosofia por uma Faculdade de Letras e doutorado numa Universidade anglo-saxónica, deixa-se irritar por um jovem Primeiro-Ministro por este não possuir... “espessura” intelectual e cultural! Que é como quem diz, afinal, o seguinte: em primeiro lugar, por Sócrates não possuir a sua idade (ser muito mais novo); em segundo lugar, por ter já conseguido aquilo que V. P. V., com toda a sua experiência, categoria social e superioridade intelectual nunca conseguiu em toda a sua vida, nem há-de conseguir; terceiro, por não ter passado pelo crivo académico da honorabilidade jurídico-filosófica, indispensável à “certificação” cultural dos nossos governantes, antes ter enveredado, pasme-se, por uma formação quantitativa e técnica!

Está tudo aqui, todos os motivos da irritação de uma certa "classe política, jornalística e empresarial" com o actual Primeiro-Ministro e com tudo aquilo que ele representa. V. P. V. não poderia ter sido mais claro!

2º) A relevante questão da língua: para as actuais “élites” culturais e intelectuais portuguesas, o uso do inglês tornou-se uma espécie de caução social para uso interno, uma forma de reconhecimento “dos seus”. O conhecimento, mais ou menos profundo, da Língua inglesa é assim exibido como uma demonstração de superioridade intelectual, face não só à maioria de ignorantes que constituem a população portuguesa (incluindo-se nessa maioria todos os que, mesmo possuindo uma formação superior, não se vergam à dominação linguística e cultural do mundo anglo-saxónico), como igualmente face àqueles que, pelos padrões culturais da moda, pertencem a uma “élite” já ultrapassada, que fez escola durante o fascismo e a Revolução e teve ainda uma formação política dominada pelo marxismo e uma “doutrinação cultural” tutelada pela intelectualidade francófona.
Para V. P. V., Portugal é tão mesquinho que a própria terminologia que usa para qualificar os motivos pelos quais o seu Primeiro-Ministro o irrita tem que ser intelectualmente superior – ainda que isso possa diminuír o alcance e a eficácia comunicacional da sua argumentação…

3º) Os majestosos conceitos de “fundo cultural político”, “visão histórica do País” e “pensamento organizado sobre a Sociedade portuguesa”, alegadamente alheios à personalidade de José Sócrates, demonstram como a crítica ao actual Primeiro-Ministro se coloca no domínio da pura ideologia, no sentido mais lato desta palavra.
“Fundo cultural político” seria algo que, em Portugal, apenas teria tido, por exemplo, um Mário Soares, um Sá Carneiro, um Freitas do Amaral. Já para não falar, como é óbvio, de um Álvaro Cunhal... Todos licenciados, claro está, em Direito! V. P. V., que presumo não seja nada “shallow” (seja o que for que isso signifique para ele), verá um dia quão injusta a História será para com ele próprio…

"Visão histórica do País": alto lá, que aqui fala o Senhor Professor! E decerto só ele saberá qual terá sido a “visão histórica”, por exemplo, de D. Afonso Henriques (que nem sequer tinha ainda História de Portugal para visionar, mas que nem por isso lhe terá faltado a respectiva visão…), ou a "visão histórica" de D. Manuel I, ou de D. Sebastião, ou de D. Miguel, ou então a de Fontes Pereira de Melo, ou de Duarte Pacheco! Com “visão histórica” quererá talvez V. P. V. dizer "noção dos limites que o respeitinho pelos mais velhos deve induzir"?! Ou será antes mera "desculpabilização das atitudes próprias", por parte de certos governantes, com base na sua interpretação muito pessoal (destes, ou então de VPV?) da História de Portugal? Bem, mas se for assim, só vejo mesmo uma personagem com verdadeira “visão histórica” em todo o Séc. XX português: Oliveira Salazar! Será então desta “visão histórica” que V. P. V. terá saudades, não tendo coragem para no-lo confessar?...

Por último, o tal “pensamento organizado sobre a Sociedade portuguesa”. Bonito, sem dúvida...
Não entro sequer por aí. Os factos falarão por si e o julgamento histórico de Sócrates, feito por verdadeiros e imparciais historiadores, o dirá. Sublinho, apenas, a total ausência de pensamento organizado sobre a Sociedade portuguesa (a real, não a mítica, das nossas “élites”-carangueijo, sempre com a cabeça virada para trás…), demonstrada por muita gente que tem desempenhado os mais altos cargos políticos em Portugal (alguns até em mais do que um posto-chave) desde esse ano fatídico de 1979, a qual nos conduziu à deriva e ao descontrolo que caracterizam o nosso País na actualidade. Deriva, desnorte, descontrolo, descalabro económico e mal-estar social que, evidentemente, deveriam ter sido despistados e, preventivamente, combatidos se tivesse havido, nesses últimos quase trinta anos, um pingo que fosse do tal pensamento organizado sobre a Sociedade portuguesa que, agora, é imputado como lacuna a José Sócrates!

Muito pelo contrário, o Portugal visível e mensurável de hoje é apenas a herança pútrida duma geração falhada que teve, como expoentes máximos da sua “élite”, vultos intelectuais do calibre de VPV…

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2 Comments:

Blogger David Lourenço Mestre said...

O frances há 50 anos era sinal de distinção e de uma cultura reuqintada.

Hpje o ingles é uma lingua universal. Todos que como eu que tiveram 5 a 7 anos de ingles dominam, uns com mais dificuldade outros com menos, o ingles

2:25 da tarde  
Blogger Ant.º das Neves Castanho said...

Isso não significa que se despreze o Português!


Os "Jerónimos" um dia também acabarão por vir abaixo, o que não dá a ninguém o direito de implodir o Monumento...

11:52 da manhã  

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