segunda-feira, agosto 06, 2007

QUESTÕES DE FUNDO, PARA PENSAR EM FÉRIAS...


UNIÃO IBÉRICA?


José Saramago acaba de sobressaltar a consciência nacional com a sua recente confissão de iberismo. Penso contudo que, se outros méritos não tivesse, esta nova “heresia” do nosso «Nobel» (depois dos seus conhecidos e insistentes apelos ao “voto em branco”) seria sempre louvável por, no mínimo, nos fazer meditar um pouco sobre este assunto, tido por um dos grandes “tabus” nacionais.

Já o mesmo não poderá dizer-se da forma superficial, simplista e algo leviana com que fundamentou essa sua (legítima) opinião: afirmar sobranceiramente que a Portugal bastaria ter lá a sua Assembleiazita Legislativa, como as das restantes Comunidades Autónomas ibéricas (para manter algum poder nacional), é de uma grosseria e de um pedantismo chocantes, que imediatamente desvalorizam qualquer dos seus argumentos!

Mas, vendo melhor, talvez a credibilidade não seja de facto a grande vocação dos escritores: para cumprirem a sua “função social” bastar-lhes-á agitar as mentes, lançar a discussão, propiciar a reflexão, não necessariamente apresentar argumentos válidos em questões sérias…

Por mim, que tenho reflectido crescentemente sobre este tema, estou convencido de que Saramago acerta no essencial: Portugal é de facto, em primeiro lugar, mais ainda do que uma nacionalidade, uma parte dessa vasta entidade geográfica, social, histórica e cultural que é a Ibéria, ou Hispânia.

Que é, ela própria, um conglomerado heterogéneo e pluri-nacional, que a História acabou por sedimentar, pelo menos até ao presente, em dois Países independentes, mas que inegavelmente possui também, no seu conjunto, uma personalidade e um carácter próprios e que a distinguem, muitíssimo claramente, de todas as outras Nações europeias, bastante mais ainda do que ela é distinta dentro de si!

E, vendo bem, só por “um triz” é que Portugal conseguiu, em 1640, tornar-se de novo independente, só por uma “unha negra” a Catalunha (e até o País Basco) não são (já?) igualmente Países.

Mas fixemo-nos então no essencial: o que teria Portugal a ganhar com a sua “integração” em Espanha? Sim, porque sabemos bem que a perder teria sempre a sua independência política, o que não é nada pouco…

Como se sabe, uma boa resposta só se pode dar a uma boa pergunta, e a questão assim formulada, quanto a mim, é deficiente e não permite sequer uma abordagem esclarecedora. A pergunta que deverá fazer-se é outra: o que resultaria para Portugal, em concreto, de uma união política com Espanha?

Penso serem inquestionáveis e consensuais, ou pelo menos largamente maioritários, os sentimentos de que esta união teria hoje um saldo bastante favorável a Portugal em termos económicos. Afastadas, por totalmente anacrónicas, as hipóteses de uma qualquer espécie de “colonização” castelhana, semelhante por exemplo à que a Inglaterra inflingiu, até ao Séc. XX, à sua vizinha Irlanda, ainda para mais no actual contexto da União Europeia, parece óbvio que uma homogenização política da Península Ibérica traria notórias vantagens para a economia portuguesa e, consequentemente, para os bolsos dos portugueses.

Mais discutíveis parecem ser, todavia, as vantagens políticas e culturais de uma tal união. Integrados num Estado Ibérico, as nossas opções em termos de política externa e, sobretudo, de política cultural, intimamente associada à Língua, poderiam à partida ver-se gravemente limitadas.

Não penso, contudo, que a questão seja assim tão linear. Um Estado Ibérico seria um poder de muito maior peso dentro da actual U. E., comparável ao da Itália, ao da Polónia, até ao da própria França. A sua influência conjugada e bem articulada com a América Latina, no seu todo, constituiria, a prazo, um considerável factor de amplificação do papel da Ibéria na Europa e, até, na política mundial.

Igualmente ao nível da O. T. A. N., a capacidade negocial de uma Ibéria seria sempre muito superior à soma das actuais capacidades espanhola e portuguesa.

Em matéria cultural, é claro que a defesa da Língua portuguesa teria forçosamente de encontrar uma forma adequada de garantia, como condição para a consumação de uma união política, coisa que, aliás, não se afigura nada de difícil ou de extraordinário. Basta pensar no que acontece em todos os Países que possuem mais do que uma Língua oficial (a Bélgica, a Suíça, os Estados Unidos da América, o Canadá, a própria Espanha, ao nível das Autonomias...).

Até na própria representação desportiva, seria fácil salvaguardar-se a especificidade portuguesa, sem necessidade de abrir qualquer precedente internacional – vejam-se os casos da Escócia, Irlanda do Norte, Inglaterra e País de Gales, no Reino Unido…

De tudo, o mais difícil seriam talvez os símbolos nacionais: o hino e a bandeira – que transportam em si toda a carga ideológica e sentimental associada à identidade da Nação. É verdade, mas também existem as bandeiras escocesa, inglesa, norte-irlandesa e galesa, pelo que os actuais símbolos portugueses não teriam que ser abandonados, ou substituídos! O que passaria era a haver, igualmente, uma nova bandeira e um novo hino para a Ibéria…

Claro que tudo isto coloca a questão do tipo de Estado que melhor poderia corporizar esta união. A meu ver, todas as condições já referidas só poderiam ser asseguradas por meio de uma Federação, ou seja, teria de continuar a existir o Estado português, num estatuto muito semelhante, por exemplo, ao dos Estados Federais alemães.

E repare-se que uma tal solução poderia ter, como reflexo, a grande virtude de permitir também resolver os dois maiores problemas históricos de Espanha: o País Basco e a Catalunha! Ou seja, numa futura Ibéria federal, a existência de mais estes dois Estados, com Línguas próprias, a par do Estado português, provavelmente já não seria entendida como uma “independência” ou “secessão” e, destarte, poderia finalmente ser desdramatizada e encarada com mais naturalidade pelo Povo espanhol!

Contudo, os problemas não acabam ainda por aqui. A constituir-se esta Ibéria federal, composta por quatro Estados – Espanha, Portugal, Catalunha e País Basco –, teria de pensar-se na sua Capital. Que me parece só poder aceitar duas soluções: Madrid, ou uma espécie de “Brasília”, ou “Sucre”, a construir algures por perto. O que, por outro lado, não deixaria de constituir um bem para Lisboa, que se veria assim aliviada da carga de “capitalidade” que tanto a tem, de certa forma, prejudicado, bem como à saúde da sua relação com o Porto. Lisboa continuaria como Capital de Portugal, mas com alguma transferência de funções superiores para a Capital Federal, como seria inevitável.

Outro problema, mais grave ainda, seria o da forma de Regime. Parece-me impensável um “Reino Unido e Federal da Ibéria”, pelo que se tornaria assim inevitável a abolição da Monarquia em Espanha! Mas mesmo esta transformação, tão radical, poderia ser uma bênção e não um foco de complicações: sabendo-se que a Monarquia espanhola, ou melhor, que o actual Rei de Espanha, foi e é ainda uma peça da complexa operação de desmantelamento político do regime franquista, nada nem ninguém pode garantir que a Monarquia espanhola sobreviva, sem problemas de maior, ao actual monarca, podendo assim voltar à ordem do dia em Espanha, a prazo, uma questão nacional fracturante que ainda não está completamente esquecida e ultrapassada e que, como bem se sabe, há menos de oitenta anos provocou uma terrível Guerra Civil!

Será então que a “absorção” de Portugal, a resolução definitiva dos sempre latentes anseios independentistas catalães e bascos e a muito provável manutenção do Poder federal em Madrid não valeriam, para os espanhóis, uma nova transição pacífica de Regime, desta feita no sentido “inverso”, de uma Monarquia constitucional para uma República Federal?

Se tudo isto fosse possível, como imagino, poderia talvez restar apenas e ainda um problema, seguramente menor, mas que nos diria respeito muito directamente: onde encaixar neste esquema a Galiza? Numa República Espanhola onde quase só restariam os castelhanos? Ou resgatar, por fim, o célebre momento de fraqueza de D. Afonso Henriques e voltar a integrá-la na Nação portuguesa? Penso que, no Mundo contemporâneo, tal poderia bem decidir-se, pacifica e civilizadamente, por recurso a um referendo, partindo do princípio que as conquistas da Democracia espanhola, nomeadamente a instituição das Comunidades Autónomas, seriam sempre irreversíveis e, por força da nossa integração, extensíveis também a Portugal (se até lá ainda não se tivesse conseguido avançar com a nossa própria Regionalização…), pelo que em qualquer das situações a Autonomia galega se manteria sempre, pelo menos, ao nível actual.

Este será sem dúvida um processo árduo, inevitavelmente lento e, seguramente, com avanços e recuos, mas estou convencido de que será, tudo ponderado, o melhor caminho para Portugal (e também para a Espanha), a médio-longo prazo: a integração numa futura República Federal da Ibéria!

Num Mundo cada vez mais caótico, desregulado, injusto e desagregado, no Presente em que vivemos, em que na velha Europa desapareceram Países poderosos como a Jugoslávia e a Checoslováquia, já para não falar da União Soviética (e quem sabe, um dia, a própria Itália?), em prol de meros interesses materialistas, mesquinhos, imediatistas e egoístas, cabe às Nações mais experientes e consolidadas do Velho Continente, como são as duas maiores obreiras da grande Civilização Ibérica – a espanhola e a portuguesa –, elevar-se acima das tendências actuais, sem horizontes, e ir procurar de novo as correntes profundas da evolução humana, dando orgulhosamente e, uma vez mais, com todo o pioneirismo histórico o exemplo contrário, de um Mundo futuro pacífico e sustentável, porque mais unido, mais organizado, mais fraterno e mais civilizado.

Sabendo que, o que perderem em orgulho nacional, poderá ser largamente compensado por uma identificação com ideais ainda mais elevados e comuns a todos os Cidadãos de um mais vasto território e espaço cultural como é a Península Ibérica, no seu todo diversificado. No fundo, seguindo o exemplo dos alemães e dos italianos do Séc. XIX, que souberam sublimar rivalidades e interesses regionais secundarizáveis numa identidade e num ideal de Pátria superior àqueles que sempre haviam conhecido até à formação dos respectivos Países.

E Portugal, País ainda hoje demasiado atrasado, rude e sub-desenvolvido (a níveis muito próximos do intolerável no espaço comunitário!), um dia por certo descobrirá – espero que não tarde demais… – que o seu lugar na Europa só poderá manter-se caso consiga ultrapassar os seus actuais bloqueios que, sabemo-lo muito bem, não são apenas económicos, longe disso, são sobretudo mentais!

E que melhor forma de fazer evoluir as mentalidades do que com uma tal perspectiva de um novo ciclo histórico, um renovado olhar em frente, com um novo desígnio nacional, que nos volte a entusiasmar e engrandecer e que substitua, de vez, a nossa atávica incapacidade de viver sem ser contemplando o nosso glorioso (mas cada vez mais longínquo…) Passado?

António das Neves Castanho.