terça-feira, julho 31, 2007

Regionalização e Equitatividade Territorial

MADEIRA E AÇORES: MAS AUTÓNOMOS PORQUÊ?

Na fundamentação simplista de muitas opiniões negativas sobre o processo de Regionalização no Continente é comum invocar-se o “mau exemplo” da Madeira e do Presidente do seu Governo Autónomo para desacreditar e, até, ridicularizar os futuros órgãos e políticos regionais.

No entanto, ainda nunca ninguém, de nenhum quadrante político, ousou pôr em causa o actual estatuto autonómico das outrora designadas “Ilhas Adjacentes”, quando a meu ver há motivos fortes para nos interrogarmos, muito seriamente, sobre esta questão crucial: por que razão foi dado à Madeira e aos Açores o actual estatuto de Regiões AUTÓNOMAS? E até onde e quando deve esse estatuto ser levado, ou mantido?

Não havendo significativos motivos de ordem política, histórica, étnica, religiosa, cultural, ou mesmo linguística, que suportassem claramente uma tal extraordinária distinção, só existem duas explicações, ambas muito débeis, para a concessão desse estatuto:

1ª) A Geografia (pelo facto de estes dois Arquipélagos estarem fisicamente separados do restante território nacional);

2ª) A proximidade temporal com o contexto histórico e político da independência das ex-colónias portuguesas, também designadas então por ex-Províncias Ultramarinas, ou (nos breves anos do consulado marcelista) por “Estados”…

Sendo esta segunda razão meramente conjuntural, que se esgota por si própria com o passar do tempo e a natural consolidação do nosso Estado de Direito Democrático, resta apenas a questão geográfica, tornada porém quase irrelevante, nos tempos actuais, com a banalização do transporte aéreo e as modernas tecnologias de comunicação.

Admitamos, no entanto, que a distância ao Continente constitui um motivo aceitável para a “implementação em concreto” de um sistema politico-administrativo fortemente descentralizado: fará sentido (e será política e socialmente saudável) que, num Estado unitário e ainda tão centralizado como o nosso, essa descentralização política assuma a forma de uma AUTONOMIA?

Não teria sido mais correcta e prudente a opção por “meras” Regiões Administrativas? Analisemos algumas questões contraditórias e que carecem de uma solução a breve prazo.

Ao conceder uma autonomia política às suas Ilhas Adjacentes, o Estado português erigiu estes dois territórios, na prática, em entidades politicamente mais significantes do que toda e qualquer parcela do seu restante território, continental, para onde continua apenas a providenciar a vetusta Administração Central e a recente Administração Autárquica. Por outras palavras: com “meia dúzia” de habitantes e de quilómetros quadrados e sem um verdadeiro motivo que o sustente, os Arquipélagos da Madeira e dos Açores constituem hoje, de per si, parcelas de território mais importantes e com maior dignidade institucional do que Regiões como a Grande Lisboa, o Grande Porto, o Alentejo, a Beira, o Minho, o Algarve e assim sucessivamente!

Estes dois Arquipélagos possuem, de facto, para além de uma representação própria no Concelho de Estado, o direito a constituírem círculos eleitorais próprios para a Assembleia da República e a disporem de total autonomia para gerirem os seus recursos financeiros, quer os de geração local (os impostos e as taxas cobrados na Madeira e nos Açores NÃO contribuem para o O. G. E.!!!), quer os que lhes têm sido prodigamente destinados pelo Governo Central, isto é, pelos contribuintes continentais!!!

Comparem-se todas estas benesses e excepcionais distinções com, por exemplo, a situação do Norte de Portugal, com quase três milhões de habitantes, ou com a Região Metropolitana de Lisboa, com mais de dois milhões e meio. Será prudente manter por muito mais anos esta singular e gritante disparidade de tratamento?

Muito pior do que isso, aquilo que num contexto histórico muito especial foi prodigalizado, aparentemente sem conta nem medida, à Madeira e aos Açores não só tem sido sempre negado a todas as restantes parcelas do território nacional, como até a simples solução de descentralização muito menos arrojada como é a instituição de Regiões Administrativas de carácter exclusivamente autárquico, NÃO-AUTONÓMICO, apesar da muitíssimo maior relevância económica, social, política e demográfica das unidades territoriais do Continente. Será também isto sustentável sem a acumulação de tensões muito graves?

Mais revoltante ainda, a negação deste direito constitucionalmente consagrado fundamenta-se, desde há vários anos, na realização de um Referendo, NÃO VINCULATIVO, pelo qual os votantes de 1998 entenderam rejeitar uma solução de Regionalização para o Continente, mas cuja leitura política profunda legitimaria, no mínimo, que se questionasse a racionalidade do estatuto autonómico dos Açores e da Madeira, o qual foi outorgado, recorde-se, SEM A EQUIVALENTE LEGITIMAÇÃO REFERENDÁRIA exigida, aliás de uma forma anti-constitucional, para a Regionalização do Continente!

Perante todo este inacreditável imbróglio político, serão de estranhar os problemas de relacionamento crescentes, a um nível já próximo do insuportável, entre as autoridades nacionais e madeirenses?

Que seria de esperar se, de repente a União Europeia concedesse o estatuto de Estado Independente, por exemplo, ao País Basco? Sem a necessária audição dos espanhóis? Ou à Córsega, sem a dos franceses?

Ora as autonomias dos Açores e da Madeira estão sustentadas numa decisão em que não foram ouvidos os portugueses. MAS AINDA VAMOS A TEMPO!

De facto, não parece já possível ultrapassar o grave problema criado sem uma profunda revisão do actual estatuto autonómico, erroneamente tido sempre por “irreversível”, dos Açores e da Madeira. A qual, todavia, pode e deve incluir também a oposta possibilidade de aprofundamento, até ao nível máximo, ou seja, a completa independência destes dois territórios, caso seja essa a vontade soberana dos seus habitantes (e também do Povo Português)!

Mas em simultâneo, e por basilares razões de justiça, haverá que equacionar seriamente a que nível deverá ser colocada a descentralização administrativa de todas as restantes parcelas do território nacional, de modo a que se verifique um efectivo equilíbrio institucional entre todas, atentas as suas importâncias relativas.

Isto para ver se, de uma vez por todas, se resolvem os problemas do relacionamento institucional entre Portugal e, sobretudo, a Madeira e se desaparece de vez o fantasma do actual líder madeirense como (FALSO) “argumento de peso” na discussão da Regionalização…

Ant.º das Neves Castanho.