quinta-feira, maio 03, 2007

CONTRA AS MISTURAS INDIGESTAS!


O 25 de Abril de 1974 pôs termo, através de um Golpe de Estado militar, à ditadura do auto-proclamado “Estado Novo” (há quem prefira chamar-lhe fascismo), ou 2ª República, inaugurando de facto uma era política totalmente nova em Portugal. O maior significado histórico do 25 de Abril foi ter implantado um Estado de Direito Democrático no nosso País, erradicando assim a forma autocrática como o Poder fora, até então, quase sempre exercido em Portugal!

Causa por isso uma profunda irritação continuar a ver e a ouvir, da parte de certos sectores políticos, uma insistente associação, para mim abusiva e nada rigorosa, entre o 25 de Abril e outras datas do mesmo período histórico, em particular o 25 de Novembro, que de forma alguma se lhe podem comparar em alcance político e social e em amplitude de consequências, directas e indirectas!

Sobre esta questão, creio ser mais que do legítimo afirmar que, historicamente, a dimensão e relevância do 25 de Abril o coloca acima de toda e qualquer outra data desse período!

Como data histórica mais importante de todo o Século XX português – verdadeiro momento fundador da nossa Modernidade enquanto Povo –, o 25 de Abril de 1974 só é comparável, de facto, ao 5 de Outubro de 1910, embora este último com muito menor profundidade e densidade, e também, embora muito tenuemente, ao 28 de Maio de 1926, que no entanto lhes fica muito aquém, em termos de alcance histórico, a ambas.

Perante o significado libertador e eminentemente fundador do 25 de Abril, o chamado "25 de Novembro", data tão do agrado da actual Direita parlamentar como, por igual, dos eternos saudosistas de Salazar (convém não o esquecer), não passa de um episódio conjuntural, marcando o final de um processo de correcção da excessiva carga ideológica e programática inculcada no 25 de Abril, a posteriori, pelo 28 de Setembro e, sobretudo, pelo 11 de Março. E, mesmo assim, o "25 de Novembro" não vale por si, como data histórica, porque se encontra associado a duas outras datas igualmente relevantes, apesar de sempre “esquecidas”, mas sem as quais não teria o mesmo significado.

Trata-se, como é óbvio, do momento em que a Assembleia do M. F. A. provoca a demissão do V Governo Provisório, do Gen. Vasco Gonçalves (originando assim a formação do VI Governo Provisório, chefiado pelo Almirante Pinheiro de Azevedo) e, sobretudo, o 7 de Dezembro de 1980, onde finalmente se encerra o denominado “PREC”, com a eleição do Gen. Ramalho Eanes para a Presidência da República, e sem a qual o vitorioso "25 de Novembro" corria alarmantemente o risco de ficar manchado por uma carga de subversão e embaciamento anti-democráticos que, quanto a mim, se colam indelevelmente e mancham incontornavelmente a memória da passagem fugaz de Sá Carneiro pelo cargo de Primeiro-Ministro (e que só a sua morte trágica e, ainda, mal esclarecida tem impedido de, imparcial e objectivamente, evidenciar em todo seu significado!).

O 25 de Abril deu início a um processo político, diplomático e socio-económico muito complexo, que sofreu alguns “acidentes de percurso”, como o 25 de Novembro, mas que nem todos juntos têm uma importância sequer comparável à do dia libertador.

O primeiro sobressalto foi o 28 de Setembro (de 74), onde definitivamente se extingue a influência spinolista ao nível da hierarquia do Estado e, com ela, uma certa visão do 25 de Abril que pretendia reduzi-lo a uma mera cosmética politica – porventura comparável à do 5 de Outubro –, sem verdadeira dimensão económica, social e, acima de tudo cultural – ou seja, ao nível das mentalidades.

Essa visão estrita, formalista e super-estrutural do 25 de Abril foi abandonada e superada, a 28 de Setembro, pela afirmação do 25 de Abril como movimento revolucionário, com objectivos políticos, mas igualmente socio-económicos.

Inconformadas com esta situação, as oligarquias dominante e ascendente, que nessa fase ainda sonhavam com uma mudança de regime apenas superficial e até, talvez, com a manutenção, ainda que em moldes mais suavizados, do velho império colonial português, instigaram o golpe militar, ou tentativa disso, de 11 de Março (de 75), com o qual Spínola tentou mostrar ter ainda algum poder militar não totalmente desprezável, o que fez, porém, ameaçando de uma forma intolerável a nova ordem pública estabelecida, tendencialmente democrática e socialista.

A reacção a este sobressalto foi uma maior radicalização das forças progressistas, mais directamente afectadas pelo salazarismo e, por isso, compreensivelmente mais empenhadas em não deixar retroceder o processo iniciado com o 25 de Abril, o que, por seu turno, provocou o receio de uma excessiva instrumentalização do processo de democratização por parte dessas mesmas forças, muito conotadas com o P. C. P., gerando-se uma crescente tensão entre os sectores mais genuinamente democráticos, legítimos herdeiros do verdadeiro espírito de Abril, e os defensores de um processo mais marcadamente socialista, que recorde-se não constava do cerne programático do Movimento dos Capitães.

Foi o chamado “Verão quente” de 75, que apesar da incerteza e crescente instabilidade que o caracterizam, provocou o necessário amadurecimento dos ideais de Abril e a formação de uma verdadeira consciência democrática nos sectores mais moderados da Esquerda à Direita, que conduziu à supremacia dessa visão moderada nos meios militares e provocou, ainda em Setembro, a queda do Governo gonçalvista, que estava já bastante radicalizado, mas politica e socialmente confinado às “vanguardas” operárias (da Cintura Industrial de Lisboa) e camponesas (do Alentejo).

É a nomeação do VI Governo Constitucional (dirigido pelo Alm. Pinheiro de Azevedo), pelo então Presidente da República (Gen. Costa Gomes), o momento de viragem decisivo para o prosseguimento do ideário democrático de Abril, sem desvios nem perversões anti-democráticas, e não o subsequente 25 de Novembro, onde esta viragem política apenas se traduziu, em definitivo, também no plano militar.

Mas não nos iludamos: aquilo que certos sectores conservadores, tanto quanto os mais saudosistas do “24 de Abril”, vêem e celebram no chamado 25 de Novembro não é, contudo, esse seu significado histórico-militar, relativamente menor em todo o processo, mas sim as hipóteses que esse acontecimento abriu para um retrocesso político – se não já à fase spinolista da Revolução (pois as ex-colónias já se haviam tornado independentes por esta altura) –, pelo menos ao pré-11 de Março, e isto apenas como primeiro passo para um restaurar pleno do 24 de Abril “material”, ainda que sob as vestes de um 25 de Abril “formal”!

Este desígnio foi-se fortalecendo em todo o período que se sucedeu ao 25 de Novembro, com a progressiva ocidentalização da nossa política, interna e externa, e a “descomunização” do aparelho do Estado, aos níveis civil e, sobretudo, militar, e sofreu um substancial impulso com o regresso ao poder, em Dezembro de 79, de um governo de Centro-Direita, chefiado por um “notável” do anterior Regime, ainda que conotado com os defensores de uma maior abertura política (era Deputado na Assembleia Nacional, no tempo de Marcelo Caetano, embora pertencente à denominada “ala liberal”): Francisco de Sá Carneiro!

Embora nesta altura o regime democrático já se houvesse consolidado ao ponto de ser considerado perfeitamente normal o regresso ao poder dos conservadores, por via eleitoral, sem que tal pusesse automaticamente em perigo a Democracia e o Estado de Direito, estes receios ganharam todavia consistência com a perspectiva de, a par da reforçada maioria absoluta por parte dos Partidos de Direita, em resultado das eleições de 5 de Outubro de 1980, ser eleito com o apoio político dessa maioria parlamentar um Presidente da República que não só não apresentava no seu currículo político (aliás nulo!) qualquer leve inclinação para o ideal democrático, como se tratava de um militar de alta patente, que havia servido no tempo da Ditadura e, para mais, prestado serviço em áreas muito sensíveis, nomeadamente ligadas às prisões políticas!

Tudo isto conjugado criou uma sensação de incomodidade em quantos se haviam batido pelo 25 de Novembro movidos por ideais democráticos, vendo agora a iminência de, em consequência da vitória das forças moderadas, se poder ter ingenuamente aberto caminho para a recuperação das forças politico-militares conotadas com o antigo regime.

Felizmente para a Democracia portuguesa, o temido cenário de retrocesso político foi definitivamente afastado com a inequívoca derrota do candidato das forças conservadoras (o Gen. Soares Carneiro) nas eleições presidenciais de 7 de Dezembro de 80, permitindo a consolidação segura do rumo democrático aberto pelo 25 de Abril, briosamente defendido a 28 de Setembro, condicionado a 11 de Março, aparentemente restaurado a 25 de Novembro, mas finalmente, de uma forma inequívoca, apenas com esta indispensável rectificação a 7 de Dezembro, data a partir da qual se pode, enfim, considerar definitivamente encerrado o “PREC”, bem como derrotado historicamente o regime anterior ao 25 de Abril.

A partir daí e até aos nossos dias, não voltaram de facto a verificar-se quaisquer sobressaltos neste percurso democrático, sempre incompleto, mas cada vez mais enraizado na Sociedade portuguesa, tendo-se assistido imperturbavelmente: à extinção das últimas manifestações institucionais do período revolucionário (o Concelho da Revolução, em 82), a várias revisões constitucionais, a sucessivos Governos e Presidentes da República, posicionados da Esquerda à Direita, a crises económicas e financeiras graves, à adesão às Comunidades Europeias, à substituição da moeda nacional, tudo sempre numa absoluta normalidade institucional e tranquilidade social, que só pode encher-nos de orgulho.

Por isso repito: há que celebrar e testemunhar Abril, enquanto é tempo, para que não se esqueça nunca o seu real e profundo significado, hoje já histórico!

E, novamente, pergunto: é possível imaginar Portugal, hoje, sem o 25 de Abril? A resposta só pode, evidentemente, honestamente, universalmente, ser NÃO!


António das Neves Castanho.