quinta-feira, maio 03, 2007

Comemorar o 25 DE ABRIL, SEMPRE!



UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA NO SEU 33º ANIVERSÁRIO

O 25 de Abril de 1974 pôs termo, através de um Golpe de Estado militar, à ditadura do auto-proclamado “Estado Novo” (há quem prefira chamar-lhe fascismo), ou 2ª República, inaugurando de facto uma era política totalmente nova em Portugal!

Porém, o maior significado histórico do 25 de Abril deve-se sobretudo a ter implantado a Democracia no nosso País, erradicando assim a forma autocrática como o Poder fora, até então, quase sempre exercido em Portugal!

Este facto, quanto a mim, não tem sido evidenciado com o ênfase pedagógico indispensável a uma correcta assimilação do seu profundo significado pelas gerações mais jovens, que já não têm memória desse dia libertador e, muito menos, dos contornos do regime que vigorou em Portugal, ininterruptamente, nos quarenta e oito anos anteriores! E isto constitui a mais grave lacuna do reconhecido agora, enfim, insuficiente tratamento dado ao 25 de Abril nas aulas de História.

Em toda a História de Portugal, mesmo após o advento do designado “Liberalismo”, no segundo quartel do Séc. XIX, que o poder do Estado se exercia sempre de uma forma autocrática, onde imperavam as oligarquias económicas (a partir do Liberalismo com força sempre crescente) e nobiliárquicas (a partir daí com influência decrescente) e dominada, igualmente, pelo Alto Clero católico.

Isto num contexto geral de pobreza e miséria, que apenas a exploração colonial ia disfarçando, e com uma Sociedade atávica, mergulhada ainda no mais completo obscurantismo feudalista, à excepção, pouco relevante, de certas “elites” sociais e académicas, concentradas (ou, melhor dizendo, praticamente “acantonadas”) em Lisboa, Porto e Coimbra.

Enquanto por toda a Europa, já para não falar no pioneirismo da América do Norte, o Liberalismo construía gradualmente um caminho de prosperidade económica e aperfeiçoamento social, com as progressivas conquistas da Democracia e do Estado de Direito, acrescido de cada vez maiores avanços no campo Social, devidos sobretudo à influência conjugada das ideias marxistas e social-democratas, com perda de influência da Religião nos assuntos do Estado, em Portugal esse caminho apenas a muito custo ia sendo trilhado, e sempre de uma forma incompleta, atrasada e extremamente condicionada, muitas vezes até pelo uso da força.

Até à implantação da República, Portugal e o Povo português estavam num estádio de desenvolvimento económico e, sobretudo, social comparável ao da Europa pré-revolucionária, feudal e absolutista, face à reduzidíssima expressão, ao nível político, da implantação do Liberalismo! Este período obscuro da nossa História, que se sucede a uma terrível Guerra Civil e que nos transforma numa quase colónia inglesa, foi como que “apagado” pela historiografia oficial do Estado Novo, que dele só deixou na nossa memória os aspectos mais inócuos ligados ao desenvolvimento económico – o denominado “fontismo”, que praticamente se resume à introdução e expansão do Caminho-de-Ferro –, ou ao mais inflamado nacionalismo – as explorações na África Austral (Serpa Pinto, Brito Capelo, Roberto Ivens) e a tristíssima história do “Mapa côr-de-rosa”, que acabou aliás por precipitar o fim da Monarquia –, como se nada mais tivesse tido importância em Portugal nesses quase cem anos! Que todavia são cruciais para a compreensão do nosso colossal atraso na actualidade!!

Por outro lado, antes do 25 de Abril, a única experiência séria que Portugal tivera de Democracia, pelo menos actualizada com os cânones da sua época, fora apenas durante os conturbados dezasseis anos da Primeira República. Só que aí, a meu ver, o Estado de Direito nunca chegou verdadeiramente a consolidar-se, apesar de formalmente exercido. Pelo menos na totalidade do tecido social e, igualmente, do território nacional. Isto é, o 5 de Outubro nunca chegou, verdadeiramente, a consolidar o seu triunfo (e, por isso mesmo, acabou por perecer a 28 de Maio…)!

Tudo isto bastante por culpa de uma fortíssima reacção, por parte das referidas oligarquias, à ruptura que uma integral implantação da República em Portugal implicaria com o tradicional e secularmente consolidado exercício autocrático do Poder, que logrou conduzir a República – e, com ela, a recém-nascida e, por isso, muito frágil Democracia portuguesa – a sucessivos patamares de crescente instabilidade até uma insustentável ingovernabilidade. Com a sempre prestimosa ajuda da hierarquia católica – para o que muito “oportunamente” contribuíu o emergente mito de Fátima!

Tudo isto num contexto internacional de crise e recessão económica, gravíssimas, que levaram inclusivé ao desenvolvimento, no coração da Europa civilizada, de regimes políticos inspirados nas práticas medievais, como o nazismo e o fascismo, tornou possível e até fácil o tremendo retrocesso político e social corporizado pelo 28 de Maio!

Ora a fundamental diferença do 25 de Abril face ao 5 de Outubro é que o primeiro não só triunfou por completo, banindo definitivamente de Portugal a forma tradicional e autocrática do exercício do Poder, como alastrou a sua influência, em simultâneo, ao todo nacional, quer social, quer territorialmente!

O profundo e seminal significado histórico desta drástica mudança, em minha opinião, não está a ser nem nunca foi devidamente explicado, mas com o avolumar da perspectiva histórica emergirá, fatalmente, na consciência nacional!

É que o 25 de Abril configurou, no fundo, não apenas uma mudança política formal, ao nível super-estrutural, mas sobretudo uma autêntica Revolução social e mental, com implicações muito profundas e, eventualmente, irreversíveis em termos da evolução colectiva do Povo português! Por isso nunca é demais realçar que a implantação duradoura de um Estado de Direito Democrático estável em Portugal foi o maior sucesso histórico da Revolução dos Cravos.

Mas não o único, uma vez que, apesar da magnitude das mudanças operadas, foi possível verificar-se, nos meses e anos que se sucederam ao 25 de Abril, uma transição relativamente serena e pacífica para um regime democrático, que nunca tinha feito escola em Portugal e que, por isso mesmo, teve que ser “inventado” praticamente a partir do zero, não só em termos formais (jurídico-legais), como sobretudo em termos funcionais, já que a vivência prática da democracia era totalmente estranha ao tecido social do País!

Não obstante, apenas dois anos e meio após o 25 de Abril, o País já dispunha de:

i) uma Constituição Democrática;
ii) um Governo legítimo e incontestado, internacionalmente reconhecido;
iii) uma Assembleia Legislativa e um Presidente da República eleitos por sufrágio universal e directo;
iv) duas Regiões Autónomas,
v) trezentos e três Municípios e mais de quatro mil Freguesias administrados por autarcas democraticamente eleitos e, ainda,
vi) os novos sistemas judicial e militar perfeitamente institucionalizados,

o que não deixa de ser absolutamente admirável e ímpar, talvez em todo o Mundo, para mais num País que, em toda a sua História, raramente havia sido governado por um regime constitucional e democrático estável!!!

Se somarmos a tudo isto a proeza de todas estas profundas mudanças se terem concretizado sem sobressaltos sociais de maior, à parte uma compreensível instabilidade socio-económica e politico-militar, relativamente pontual, nos primeiros dois anos – e que nunca chegou ao risco real de uma guerra civil, que apenas num determinado momento (o 25 de Novembro de 75) quase chegou a poder tornar-se sério –, e a par com a descolonização de cinco territórios africanos, que originaram outros tantos Países independentes, e o concomitante retorno de várias centenas de milhar de repatriados, há que convir estarmos perante um período histórico absolutamente incomparável em todo o Século XX português!

Agora se o 25 de Abril, na totalidade dos seus objectivos iniciais, se cumpriu ou não, isso é um pouco mais difícil de aquilatar. Perante todas estas conquistas, ter-se-á cumprido no essencial. Mas sem dúvida que uma promessa importante do 25 de Abril era a Justiça Social, o chamado “25 de Abril económico”, e essa foi mais incompleta e dificilmente conseguida.

Mesmo assim, as profundas transformações que caracterizam o pós-25 de Abril, se não mudaram radicalmente o tecido social e económico – dado que o sistema capitalista, ou de economia de mercado, se manteve relativamente incólume, apesar de algumas derivas iniciais –, pode considerar-se representarem um corte profundo com a situação anterior, atendendo ao estado de desenvolvimento sócio-económico em que o País ainda se encontrava.
Tudo contabilizado, direi que se o 25 de Abril se não cumpriu totalmente, é talvez porque tinha uma ambição idealista tal, aos níveis económico e social, que transcendia em muito as capacidades de uma geração e que, porventura, irá perdurar, como objectivo e desígnio, para as gerações presente e futuras, a par com os naturais desafios do aprofundamento da Democracia, é bom não esquecer. Mas este tema ficará para uma outra oportunidade…

Hoje, há que festejar e testemunhar Abril, enquanto ainda é tempo, para que nunca se esqueça ou diminua o seu real e profundo significado.

E, já agora, aplaudir as intenções do Governo de procurar melhorar, nas escolas portuguesas, o ensino do 25 de Abril e do profícuo e mágico período que lhe sucedeu, subtraindo-o assim à – nos dias de hoje tão em moda, de uma forma predominante e mediática – visão mistificadora e miseravelmente redutora desta data memorável por parte de quem, tendo na altura tido pouco ou nenhum entusiasmo não apenas pela data em si, mas pelo próprio derrube da Ditadura salazarista-marcelista, hoje se encontra de novo confortavelmente instalado ao leme dos poderes económicos e sociais em Portugal!

Para terminar, pergunto apenas: seria possível imaginar Portugal, hoje, sem o 25 de Abril?

António das Neves Castanho.