quinta-feira, janeiro 18, 2007

O SARGENTO LUÍS.

Todos se chocam e revoltam com o relato da tragédia que se abateu sobre o casal de pais adoptivos de Torres Novas, com a decisão do Tribunal de encarcerar um Pai desesperado por ter escondido a sua filha legítima e isso ser considerado como um sequestro.

Todos sabem que algo tem que estar mal, diz até o Bastonário dos Advogados que se terá escrito “torto por linhas direitas” (o que seria manifestamente indesculpável numa Sociedade dita civilizada), mas o difícil está em ir além da indignação, ou do protesto veemente.

Fácil é sempre julgar sumariamente e atribuir culpas, seja ao colectivo de Juízes, seja ao Pai biológico, ou à Mãe biológica, enfim, todos terão o “seu” próprio e máximo CULPADO.

Mais complexo é analisar friamente este caso e tirar conclusões sólidas, úteis e construtivas, porque isso exige algum esforço e mediatismo, que infelizmente os órgãos de comunicação nem sempre (quase nunca...) propiciam com a eficácia desejável.

Ainda assim considero possível e desejável, mesmo para leigos na matéria, tentar uma abordagem simples e clara, mas racional e rigorosa, que nos conduza a pistas de solução mais elevadas do que as que geralmente emanam da vozearia emocional. Pois será justo “crucificar” os mais imediatos “suspeitos” do mal, terrível, que pode vir a ser causado, sobretudo à vítima mais inocente de todas (a menina de cinco anos)?

Proponho-vos a seguinte reflexão: cada pessoa, sobretudo em sociedade, age sempre condicionada por diversos factores, sociais ou físicos, mais fortes ou mais subtis. Os mais imediatamente responsáveis pelas suas acções serão sempre, naturalmente, os factores mais fortes.

Qual o factor mais forte e que mais condicionou os actos das pessoas envolvidas neste "caso", até se desembocar na presente e lamentável situação? Sem qualquer sombra de dúvida, a Lei!

Pergunta prudente: será que noutro Tribunal nacional, com outros Juízes, mas com esta mesma Lei, a sentença teria sido diversa? Que se pronunciem os especialistas, mas à partida não me sinto capaz de supor que sim, tenho que dar o benefício da dúvida e acreditar que o Direito foi aplicado competentemente e que, por isso, a “culpa” não pode ser atribuída levianamente aos agentes concretos da aplicação da Justiça tal como concretizada.

E o Pai biológico, sabendo que a jurisprudência o “defende”, pode ser criticado por procurar fazer valer os seus “direitos”? Acho que ninguém pode em consciência julgá-lo.

Então como poderia tudo isto ter sido evitado, na observância daquilo que parecem ser os mais básicos e inquestionáveis valores éticos da nossa Sociedade, ou seja, como poderia a Justiça ter sido “mais justa”?

Quanto a mim só há uma resposta: se a nossa Lei, factor com o poder máximo de coacção sobre as consciências e os actos individuais e colectivos das pessoas, fosse diferente!

Estou firmemente convencido de que caso a Lei protegesse melhor os direitos dos Pais adoptivos, caso o Estado considerasse que a entrega legal e formal de uma criança a uma família adoptiva tinha a mesma força jurídica de um nascimento, ou o Pai biológico nem teria empreendido a sua litigância, ou o Pai adoptivo não teria chegado ao limite de fazer desaparecer a criança, ou os Juízes teriam tido mais facilidade em fazer aquilo que nos parece a nós, “cidadãos comuns”, da mais elementar Justiça.

As Leis, porém, são como os Bombeiros: ninguém lhes liga “pevide” até ao dia… em que nos são necessárias a nós!

Penso que tem de haver, forçosamente, algo de "errado" com o ordenamento jurídico português que regula as situações de adopção. Como algo de "errado" deve haver com inúmeras outras matérias, incontáveis outros enquadramentos legais e não só! Mas em Portugal todos somos especialistas em “trancar as portas depois da casa arrombada” (como se viu recentemente com os casos da ambulância de Odemira, ou o naufrágio da Nazaré), mas nunca nos concentramos em PREVENIR os males, em evitar que as situações desagradáveis irremediavelmente nos aconteçam (como a da Ponte de Entre-os-Rios, a da Casa Pia, etc., etc....).

Presumo que a desgraça que agora se abateu sobre o Sargento Luís venha a induzir uma (indispensável) discussão sobre a Lei actual, sobre os (des)equilíbrios existentes entre os direitos dos Pais biológicos e os dos adoptivos; admito mesmo que num Futuro mais ou menos próximo algo venha a ser modificado, PARA MELHOR, espero, por força deste caso tristemente exemplar.

Mas quantas outras situações aguardam o mesmo tipo de atenção e só a virão a obter se ocorrer mais um triste caso que a despolete, mais uma vez (para os seus intervenientes) TARDE DEMAIS?!...