quinta-feira, maio 05, 2005

REGIONALIZAÇÃO (I)

Para começar: a Regionalização (ou descentralização administrativa) constitui um imperativo constitucional (já foi, até, uma das manifestadas prioridades de um dos dois Governos da extinta A. D.: o de Pinto Balsemão!).
Assim não o entendeu, porém, a Assembleia da República, na Legislatura de 95-99, que inexplicavelmente desencantou a necessidade de uma confirmação plebiscitária da "instituição em concreto" (expressão literalmente usada nos boletins de voto!) das Regiões Administrativas - excepção feita às insulares, as quais estranhamente foram dispensadas de um tal requisito extraordinário, tal como, aliás, todas as restantes normas constitucionais, que assim passam apenas a estar instituídas "em abstracto"!!!
A Regionalização foi apresentada como "bandeira" de uma certa Esquerda, mas teve contra ela não só toda a Direita (e isso até se pode compreender, mas não aceitar, a menos que viesse a ser alterada a Constituição), como inúmeras personalidades e sensibilidades supostamente de "esquerda", desde Mário Soares a Francisco Louçã, passando por M. Sousa Tavares, que não tiveram pejo em juntar a sua voz de (nessa circunstância) "Velhos do Restelo" a figuras da eminente craveira intelectual e política de um Prof. M. Rebelo de Sousa, ou um Dr. Manuel Monteiro, no combate à proposta (envergonhadamente) subscrita, na altura, por um Governo P. S. e apoiada, inequivocamente, apenas pela C. D. U. .
Resultado: um debate paupérrimo (e indigno de um País da U. E.), uma abstenção elevada e uma vitória, pouco mais que tangencial, do "não".
Consequências práticas: os velhos do restelo descansaram, os efémeros "vencedores" rejubilaram e uma reforma estrutural (esta sim) essencial para o País ficou adiada para sabe-se lá quando (como as outras todas, mas não faz mal, fizémos a EXPO e quase ganhámos o EURO!...).
Ao mesmo tempo, em (quase) toda a Europa, as vantagens de uma organização regionalizada da Administração Pública e da descentralização das decisões, no respeito por objectivos de transparência política, eficácia e democraticidade e pelo princípio da subsidariedade, continuaram todos os dias, mês após mês, ano após ano, a conferir vantagens competitivas aos Países que já a adoptaram face ao nosso, que ainda nem sequer sabe como começar a discuti-la...
Por este e outros motivos, não estranhei um desabafo recente do insuspeito Director da Agência para o Investimento Externo (sim, sim, Miguel Cadilhe) dizendo que uma das maiores desgraças que aconteceram a Portugal foi não ter ainda adoptado um modelo de Regionalização (pena é que ele diga isto com aquela falta de convicção e coerência que, infelizmente, o caracteriza)!
Só agora, depois das últimas eleições, felizmente, já se começa de novo a ouvir falar do retorno deste tema à agenda política, pelo menos na próxima Legislatura, com ou sem Referendo (imbróglio em tudo semelhante ao do aborto, criado por aquela mesma tíbia Assembleia da República...).
Por isso, é tempo de começar a discutir desapaixonadamente este tão importante tema, mas por uma (e definitiva?) vez com a seriedade que ele merece. É que não é dos temas mais fáceis para uma opinião pública relativamente frágil, manipulável e desinformada como a portuguesa. Mas, como já bastas vezes ficou provado, o Povo não é estúpido e sabe aprender e discernir depressa. Haja quem o ensine e o ajude a perceber.
É com esta intenção que me proponho lançar neste "blogue" um debate aberto e pedagógico sobre este tema, sem radicalismos nem opiniões pré-formadas, mas apenas com o intuito de contribuir para a livre formação de uma opinião bem fundamentada por parte do maior número de Cidadãos possível.
Para isto ser viável torna-se necessário, para além da contribuição de todos quantos julguem ter algo de válido a transmitir, não transformar a discussão numa coisa demasiado erudita ou massuda, pelo que não me parece conveniente a criação de textos demasiado longos.
Por esse motivo ficarei hoje por aqui, acrescentando apenas, à guisa de pequena provocação, que uma das razões pelas quais me parece ser este assunto tão do desagrado da nossa classe política, é por também ela ser muito ignorante, de um modo geral, sobre o mesmo, e eventualmente temer expor publicamente essas suas insuficiências. E porque, por todas as razões e mais algumas, este é um assunto que não pode ficar exclusivamente nas mãos dos juristas, ou dos redactores de leis, nem de políticos especializados em Direito Administrativo, que têm alguma dificuldade, dada a sua formação académica de base, em acompanhar intelectualmente alguns dos raciocínios que é necessário formular para entender devidamente todas as vertentes e facetas desta matéria...
Mas claro que todos podem compreendê-la, com maior ou menor dificuldade, e ter uma opinião mais bem informada e fundamentada sobre a mesma. Basta ter disponibilidade e vontade para tal.
No próximo texto tentarei desmistificar aquilo que não é a Regionalização, para começar depois a introduzir concretamente o tema e a desvendar em que consiste e como foi aplicada nos Estados em que já vigora, nomeadamente naqueles cujos sistemas político e administrativo mais semelhanças têm com o nosso.