quinta-feira, agosto 30, 2007

CENTRALISMO EM DEMOCRACIA: MITOS CONTRA-PRODUCENTES


É mais do que natural que um defensor da Regionalização, sendo esta uma das formas privilegiadas de descentralização política em Democracia, seja em coerência contrário ao excesso de centralismo.

O excesso de centralismo deve entender-se como a necessidade legal de tomar decisões em instâncias superiores àquelas a que diz respeito a decisão. Exemplos simples: ter de obter autorização do Governo para uma Câmara Municipal poder aprovar o seu orçamento anual, ter de pedir a aprovação de Bruxelas para empossar o Presidente da República portuguesa, ser exigido um parecer favorável da Junta de Freguesia para votar o relatório de contas do nosso Condomínio…

O centralismo a que se opõe a Regionalização é aquele que obriga – no caso português por ausência absoluta de órgãos de poder ao nível regional – a que todas as decisões que dizem respeito em exclusivo a uma determinada Região (e podem dar-se múltiplos exemplos) sejam tomadas pelo nível de poder imediatamente superior, neste caso o Governo do País.

Isto significa, por um lado, que o aparelho governativo fica sobrecarregado com decisões demasiado “pequenas” e localizadas, tendo em conta a esfera natural das suas responsabilidades e competências, e por outro que, dada em geral a maior “distância” física e organizativa entre a sede da tomada de decisão e o território e as populações que ela irá afectar, essa decisão não seja tomada nem com a prontidão, nem com o conhecimento e a devida ponderação de todos os factores influentes na mesma.

Outra coisa muito diferente, mas infelizmente ainda demasiado enraizada no modo de pensar de bastantes pessoas, é pretender que as do Governo possam ser mais favoráveis a, ou mais susceptíveis de ser influenciadas por parte das populações mais próximas, territorialmente, da sede do mesmo. Por outras palavras, é insinuar, ou mesmo afirmar, que a Região onde se situa a Capital do País tem privilégios, mesmo sem a Regionalização, que as outras Regiões não possuem!

Este erro de análise radica, quanto a mim, na tradição política dos Países do Sul da Europa (não apenas Portugal) que, até muito tardiamente na História, não dispuseram de uma forma de Governo democrática, republicana, ou no mínimo constitucional.

Não está por isso o raciocínio intuitivo e, de certa forma, a consciência colectiva dos seus Povos ainda imbuída das diferenças radicais de que certos assuntos se revestem à luz dos modernos conceitos de governação, nascidos das Revoluções americana e francesa mas, até então, também já relativamente desenvolvidos no Reino de Inglaterra e nos Reinos escandinavos.

Para quem viveu até muito “tarde”, em termos históricos, em monarquias absolutistas e em regimes obscurantistas e sem garantias de direitos cívicos e liberdades públicas, como foi o caso de Portugal, é de facto acertado confundir o centralismo régio com a dominação do Estado por parte da região geográfica em que se instala a Corte.

Antes de haver mecanismos de eleição e de controle democrático dos órgãos de poder nacionais, bem como os modernos sistemas de comunicação e modos de transporte seguros, económicos e rápidos entre pontos distantes do território nacional, é evidente que a proximidade geográfica ao Poder era um factor imprescindível para se conseguir, de alguma forma, influenciar o mesmo, sendo por isso “obrigatório” para os interessados, nomeadamente os Nobres, o Alto Clero e os detentores de poder económico, instalarem as suas habitações junto da Corte, no caso português (e após o curto período inicial da Fundação da Nacionalidade), em Lisboa. Daí a natural profusão de Palácios e de Templos nas Capitais europeias de Monarquias absolutistas (ou mesmo imperiais), muito em especial nos seus Centros Históricos…

A consequência principal de tudo isto era uma efectiva dominação da vida política e administrativa destes Países por parte da população (ou melhor, das classes dirigentes) das suas Capitais, o que acontecia nomeadamente em Madrid, na Roma imperial (e igualmente no Vaticano, com o Papado), em Berlim (já enquanto Capital da Prússia, antes da unificação alemã), em Moscovo (pelo menos no tempo dos czares), na Veneza dos doges, na Viena imperial, em Paris antes da Revolução e por aí adiante.

Contudo, tudo isto faz inexoravelmente parte do Passado e, nos nossos dias, as coisas funcionam de um modo totalmente diverso, como se sabe. Causa por isso bastante estranheza o argumento recorrente de que a Regionalização se deve fazer “contra Lisboa”, ou o “centralismo de Lisboa”, o que significaria por acréscimo “contra os lisboetas”, quando se sabe que os Cidadãos residentes na Capital possuem exactamente o mesmo meio de influenciar o Poder – um voto, nem menos, nem mais! – que todos os restantes Cidadãos do País.

Por outro lado, o Poder está hoje felizmente aberto, graças à Democracia, às candidaturas por parte de políticos de todas as origens geográficas, de classe (ou melhor, de condição económica), de profissão e habilitações literárias, de raça, de género, de ideologia, ou de crença religiosa, pelo que não existe qualquer vantagem tangível pelo simples facto de se residir numa Freguesia qualquer de Lisboa, comparativamente à de uma localidade como Poço de Boliqueime, um Concelho como Fafe, um Distrito como Castelo Branco, uma Província como Trás-os-Montes, ou uma Ilha como S. Miguel.

Insistir, portanto, na estafada tecla de que as outras Regiões do País vivem “dominadas” por Lisboa, qual Império Romano por Roma, é persistir numa perspectiva historicamente ultrapassada e politicamente nefasta, que não só não corresponde minimamente às realidades actuais, como pior do que isso tem comprovadamente constituído um sério obstáculo à adesão de muitos residentes em Lisboa, ou simplesmente de pessoas mais lúcidas e conscientes, à filosofia da Regionalização!

De uma vez por todas, acordemos para as realidades do nosso tempo e deixemos para trás a ideia simplista de que o Governo, por estar instalado em Lisboa, é “controlado” por lisboetas. Isso é falso, todos o sabemos, haja então coragem e frontalidade para o assumirmos.

Confundir pois a Regionalização – que é, mais do que um imperativo constitucional, a concretização de um dos princípios basilares da construção europeia (o da subsidiariedade) e, até, já uma banalidade cívica e política nos Países mais desenvolvidos – com bairrismos é não só erróneo como contra-producente para a nossa causa.

Bairrismos sempre existiram e hão-de existir, com ou sem a Regionalização (até com ou sem a Democracia!). Discuti-los ou combatê-los não me parece ser o objectivo deste espaço da “blogosfera”. Aqui debate-se e defende-se, sim, a Regionalização, que é uma causa de todos os que a abraçarem, independentemente da sua origem territorial, ou local de residência actual, e de outras opções políticas individuais…

Ant.º das Neves Castanho (Lisboa).

1 Comments:

Blogger Snowball said...

"Isto significa, por um lado, que o aparelho governativo fica sobrecarregado com decisões demasiado “pequenas” e localizadas, tendo em conta a esfera natural das suas responsabilidades e competências, e por outro que, dada em geral a maior “distância” física e organizativa entre a sede da tomada de decisão e o território e as populações que ela irá afectar, essa decisão não seja tomada nem com a prontidão, nem com o conhecimento e a devida ponderação de todos os factores influentes na mesma."

É precisamente aqui que Lisboa é beneficiada, em termos relativos: como todas as decisões regionais são tomadas a nível central, os decisores centrais sobre-ponderam as realidades que conhecem, e são mais rápidos a decidir sobre esses temas.

Com a regionalização, o resto do país teria direito à mesma velocidade de decisão de Lisboa. Nesse aspecto, todas as outras regiões ganham, sem que Lisboa perca.

Lisboa ganha outra coisa: deixa de sofrer os males do centralismo, que afectam fortemente os lisboetas. Todos os lisboetas sentem fortemente os efeitos do centralismo na pele, quando apanham o trânsito às 19h da tarde. A macrocefalia gera o entupimento.

2:19 da tarde  

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