sexta-feira, junho 17, 2005

OS PARQUÍMETROS E A CONTRATAÇÃO DE PESSOAL NA ADMINISTRAÇÃO LOCAL

Os autores dos manuais de texto (os quais, de vez em quando, convém questionar para que o conhecimento humano possa evoluir) costumam referir que o preço pode funcionar como um factor de restrição da acessibilidade.

Nesta perspectiva, se introduzirmos o estacionamento pago nas cidades (aqui entendidas genericamente como aglomerados urbanos de maior dimensão e com maior nível de funções), estaremos (segundo tais autores) a limitar o acesso ao estacionamento e, também, a potenciar o aumento da sua rotatividade (isto é, o número de utilizadores de um espaço de estacionamento por unidade de tempo, por exemplo, por dia).

Sendo conhecida a “fúria cobradora” da generalidade dos nossos decisores públicos (até porque dá menos trabalho, tem menores custos políticos e exige menos capacidades de gestão do que racionalizar a despesa), cedo se chegou à generalização do estacionamento pago nas cidades.

Criou-se assim uma nova excitação autárquica: a introdução de parquímetros. E é ver os(as) nossos(as) Autarcas felizes a aumentarem as receitas dos seus orçamentos – que são depois aplicadas (mesmo na ausência formal de consignação de verbas) em admissões de pessoal administrativo com o 9.º ano de escolaridade e/ou de licenciados em relações internacionais (que é o que mais falta faz aos municípios, e aos munícipes, como se sabe) – vendendo-nos a imagem do(a) grande justiceiro(a) que quer “pôr ordem” e dar solução aos problemas de circulação e de estacionamento. O parquímetro surge assim como um tudo em um, uma espécie de totoloto municipal: fácil, barato e potencialmente gerador de milhões.

E o que é que verificamos? Os lugares de estacionamento passaram a ficar vazios? Não. Aumentou a rotatividade, ou seja, passámos a encontrar estacionamento disponível com mais facilidade? Não. Os lugares de estacionamento mantêm-se permanentemente ocupados (ou quase), indisponíveis, a um custo acrescido para o cidadão (pago no parquímetro). Continua o inferno da falta de estacionamento, mas agora com a punição adicional do pagamento para quem o consegue encontrar.

Alguém estudou, seriamente, a rotatividade do estacionamento nas cidades e a forma como ele evoluíu ao longo do tempo, por exemplo, no período pós-parquímetro?

Os mais fundamentalistas vão dizer que a culpa é do próprio cidadão, que não sabe gerir os seus recursos e que poderia (e deveria?) perfeitamente utilizar o sistema de transportes públicos que existe. Convinha que esses especialistas se interrogassem sobre as razões que levam o cidadão a optar pelo transporte individual. Ou, de preferência, que lhe perguntassem de forma estruturada, através de uma sondagem de opinião.

Seria também interessante saber, do total de especialistas que nos querem convencer da superioridade do transporte público que existe, quantos deles utilizam o transporte individual.

Uma política de preços adequada deveria levar então ao aumento sucessivo dos preços a) até que se obtivesse o preço óptimo, isto é, até que se verificasse uma estabilização das receitas (quantidade vendida * preço unitário), para concretizar o objectivo não anunciado de aumentar o nível de receita dos municípios e/ou das empresas municipais que, em regime de monopólio, exploram esse serviço, ou b) até que se verificasse, e depois de se verificar, uma quebra nas receitas, para concretizar o objectivo anunciado de limitar o tráfego e o estacionamento nas cidades.

Porém, não é isso o que se verifica. O que pode acontecer por várias razões, desde a falta de conhecimentos técnicos de gestão, ou de capacidade intelectual dos decisores, até ao receio de perder receitas, passando pela pura inércia (Nota – a perda de receitas resultaria de menos estacionamento, ou de mais rotatividade no estacionamento nas cidades, que é o objectivo que o estacionamento pago pretende atingir, certo?).

Vou passar por cima da “sobre-cobrança” implícita no sistema de parquímetros. Refiro apenas que, sendo um sistema pré-pago de compra de segmentos de tempo (definidos pelo operador) e sem direito a devolução ao Cliente do tempo não utilizado (em crédito de tempo ou em numerário), o Cliente cumpridor, que não quer correr riscos de multa, paga sempre minutos que não utiliza (dado que é disparatado ficar dentro do automóvel, ou fora dele, a “consumir” os minutos que faltam para o fim do período pago, quando a necessidade do Cliente é precisamente a contrária: retirar o veículo do estacionamento para prosseguir com as suas actividades diárias).

Saltarei igualmente a questão da legitimidade jurídica (a moral parece não oferecer dúvidas) da cobrança de estacionamento em espaço público, espaço que antes de ser público foi privado. Porém, seria interessante ver como reagiria um Município que – apesar de cobrar taxas de urbanização usurárias (que os munícipes pagam depois no preço final da habitação) – visse um promotor imobiliário a “privatizar” todo o estacionamento em projectos de novos empreendimentos urbanísticos ou a torná-lo público apenas mediante a garantia, dada pelo Município, de que a) seria gratuito, ou b), deixando de ser gratuito, toda a receita gerada reverteria para o mesmo promotor.

Falemos claro. O estacionamento pago não se destina a limitar o estacionamento (destina-se a permiti-lo mediante um pagamento), nem a contribuir para o ordenamento do tráfego e da circulação automóvel, mas sim a aumentar as receitas dos Municípios, directamente, ou através das Empresas Municipais que o gerem.

O princípio subjacente é o que se verifica nas contas públicas: mais receita para permitir mais despesa (e é grande a capacidade para gerar sempre novas ideias para gastar mais dinheiro e para manter ou aumentar o desperdício).

Se o objectivo fosse limitar o estacionamento, existiriam soluções mais eficazes:

- impedir a entrada do transporte individual nas cidades (mesmo que o Cliente estivesse disponível para pagar uma portagem*); o que exigiria a criação de parques de estacionamento (pagos?) junto aos “postos de controlo”;

*(Nota – quem sugere a introdução de portagens à entrada das cidades – e há sempre exemplos noutros países, de aumento da receita municipal, mas nunca de redução da respectiva despesa, que alegadamente servem de caução a estas medidas populistas e justiceiras – está já a pensar na dupla excitação da “portagem à entrada + parquímetro à chegada”, o que, por seu turno, dará imenso jeito para se poder aumentar ainda mais a despesa municipal com a admissão de pessoal administrativo com o 9.º ano de escolaridade e/ou de licenciados em relações internacionais, ou até mesmo, quem sabe, para se “investir” em mais uma “rotundazinha” com repuxo e/ou com uma estátua feita por um escultor amigo…)

- eliminar a possibilidade de estacionamento (mesmo que o Cliente estivesse disponível para alimentar com moedas um qualquer parquímetro).

Este caso é mais um a confirmar que o “princípio” do utilizador-pagador é apenas um fim. Aliás, gostaria de voltar a este assunto – o fim do utilizador-pagador – numa próxima oportunidade.


João de Andrade e Sousa,

15.Jun.2005