terça-feira, agosto 12, 2008

CAVACO, OS AÇORES E A REGIONALIZAÇÃO.

Sobre a constitucionalidade de algumas das disposições do novo Estatuto Político-Administrativo dos Açores, parece óbvio que os doutos especialistas nacionais em Direito Constitucional e a generalidade dos políticos actualmente em exercício de funções legislativas não estarão lá na melhor das sintonias. O que de si já é grave...
Mais grave ainda é quase todos assobiarem para o ar como se nada fosse e ninguém vir a terreiro discutir, seriamente e com argumentos claros, esta questão. Estou a falar do ponto de vista político, que em matéria de Direito quem deve dar lições (boas, sff) são, obviamente, os entendidos...
Para analisar mais limpidamente esta matéria, sugiro que se comece então por pensar um pouco nesta ingénua frase, retirada de um comentário num "blogue":
«Cavaco Silva teve razão quando fez notar que é mais fácil - do ponto de vista da lei - destituir a A. R. do que a Assembleia Reg. dos Açores».
Para quem possua um pensamento sistémico e minimamente coerente, esta frase soa, ao contrário do que parece, como um perfeito DISPARATE. E porquê? Porque contraria conceptualmente o Princípio da Subsidiariedade, em que se fundamenta o Direito Europeu. Ora vejamos:
Na mesma linha de raciocínio desta comentadora, poderia de imediato perguntar-se: mas então, se é errado o Presidente da República ter mais facilidade em dissolver a Ass. da Rep. do que a Ass. Reg. dos Açores (ou da Madeira), por MAIORIA DE RAZÃO deveria ter ainda mais facilidade em dissolver qualquer Assembleia Municipal do País, e mais ainda qualquer Ass. de Freguesia, pois que estas Autarquias estão mais abaixo do que as Regiões no edifício administrativo!
Ora, tanto quanto sei, contudo, o Presidente nem sequer tem poderes constitucionais para dissolver Assembleias de Freguesia, nem Municipais! O que até é lógico, estando estes órgãos de poder legislativo situados, na arquitectura constitucional, "demasiado longe" da esfera de competências próprias da magistratura presidencial. Então porquê o espanto por haver mais dificuldade em o Presidente dissolver uma Assembleia Regional, situada ao nível intermédio da Administração do País, do que a Ass. da República, situada no âmago da Administração Central?
Parece um paradoxo, mas é perfeitamente lógico. O pensamento actual é que padece, ainda, de bastantes vícios e automatismos sub-conscientes, decorrentes, porventura, de muitos séculos de centralismo em Portugal...
Num Concelho, como numa Freguesia, ninguém pode dissolver as Assembleias a não ser elas próprias, como recentemente se teve a mais refinada prova na situação criada em Lisboa, em que a Ass. Municipal sobreviveu até à queda da respectiva Câmara!
A Assembleia da República poder ser dissolvida pelo Presidente da República não tem nada de errado, foi a fórmula encontrada no nosso sistema constitucional para garantir um equilíbrio desejável entre as vertentes parlamentar e presidencial do regime actual, mas não teria forçosamente que ser assim.
Na arquitectura política das Regiões Autónomas, que são entidades intermédias entre o Poder Central e o Poder Autárquico, a solução a adoptar deverá respeitar os limites extremos consagrados nestes dois níveis de poder adjacentes, devendo escolher-se a solução mais equilibrada e funcional. Por exemplo, a possibilidade de dissolução pelo Presidente da República, como sucedeu.
Só que, neste caso, obrigatoriamente com maiores restrições, ou dificuldades, ou garantias, como queiram, relativamente à dissolução da Assembleia da República! Senão, estar-se-ão a inverter as hierarquias próprias de um funcionamento coerente dos órgãos do Estado.
Será que ninguém reparou nisso?
Ant.º das Neves Castanho (leigo na matéria, mas atento...).

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