sexta-feira, junho 24, 2005

O PEC2005-2009 NÃO É UM PROGRAMA DE CRESCIMENTO MAS SIM DE ESTAGNAÇÃO ECONOMICA E DE ATAQUE AOS DIREITOS DOS TRABALHADORES PORTUGUESES

O ” Programa de Estabilidade e de Crescimento: 2005-2009 (PEC2005-2009)” apresentado pelo governo, por exigência da União Europeia, substitui, na prática, o programa Eleitoral do PS e o Programa de governo, até porque vai ser controlado por aquela instituição europeia.

De acordo com o “PEC2005-2009”, o objectivo de crescimento económico subordina-se ao objectivo de redução do défice orçamental, passando a ser a diminuição do défice o objectivo central da acção do governo, mesmo sacrificando o desenvolvimento económico e social do País. E a justificação é que “o País depois do inferno terá o paraíso”, mas isso não é verdade.

Para conseguir reduzir o défice orçamental em 4 pontos percentuais (de 6,8% para apenas 2,8%, ou seja, 5.600 milhões de euros), em 3 anos apenas (2005-2008) o governo pretende: (1) dinamizar a chamada “bolsa de suprenumerários” na Administração Pública para onde pretende atirar todos os trabalhadores considerados pelas respectivas chefias “excedentários ou inadequados ao serviço”, pondo assim tal labéu a muitos trabalhadores, criando desta forma as condições para o despedimento; (2) alterar o sistema de aposentação dos trabalhadores da Administração Pública que entraram antes de 1 de Setembro de 1993, cujos direitos adquiridos todos os governos anteriores respeitaram, mas que o actual governo pretende não fazê-lo aumentando a idade de reforma em 5 anos e reduzindo o valor da pensão por cada ano de serviço realizado depois de 31.12.2006 em 20% (a forma de cálculo da aposentação a partir de 31.12.2005 consta das págs. 3 e 4 deste estudo); (3) aumentar a idade de reforma dos trabalhadores por conta de outrem do regime geral da Segurança Social; (4) reduzir as comparticipações nos genéricos e em outros medicamentos entre 5% e 10%, com a justificação de que as farmácias e os laboratórios vão reduzir os preços dos medicamentos em 3%; (5) aumentar o IVA de 19% para 21% e os impostos sobre os combustíveis todos os anos o que determinará o aumento generalizado dos preços; (6) impor aos trabalhadores da Administração Pública o congelamento das progressões nas suas carreiras profissionais assim como aumentos de remunerações inferiores às subidas de preços, o que determinará diminuição do poder de compra dos vencimentos; (7) dar aos patrões privados orientações para que respeitem uma politica de “moderação salarial” o que significa que façam o mesmo que o governo pretende impor aos trabalhadores da Administração Pública;(8) reduzir, em termos reais, pelo menos até 2007 o investimento público o que determinará mais retrocesso económico e mais desemprego; (9) continuar a politica de privatizações das empresas públicas destruindo assim um importante instrumento de politica económica e uma fonte importante de receitas para o Orçamento do Estado.

É evidente, contrariamente àquilo que o governo afirma, que esta politica de submissão às exigências da União Europeia e a interesses económicos, criará inevitavelmente grande instabilidade no País com elevados custos sociais e económicos, e não é uma politica de crescimento económico mas sim de estagnação, que afastará ainda mais o País da média comunitária e acarretará mais desemprego.

O governo apresentou aquilo a que chamou “Programa de Estabilidade e Crescimento:.2005-2009” (PEC2005-2009). A razão utilizada para o apresentar foi de que é necessário para cumprir o défice de 3% exigido pela U.E.. Desta forma associou, aos olhos dos portugueses, estagnação económica, mais desemprego e mais sacrifícios à União Europeia.

É evidente que os programas que tinha apresentado anteriormente – programa eleitoral, programa de governo – foram pura e simplesmente esquecidos e substituídos por este programa que é um programa dominado pela obsessão do défice. Este programa, como se vai provar neste estudo, tem muito pouco de crescimento e é difícil, para não dizer mesmo impossível, pensar que sem crescimento possa haver estabilidade. Para além disso, ele contem um ataque cerrado aos direitos dos trabalhadores da Administração Pública e também aos dos outros trabalhadores, por isso provocará inevitavelmente grande instabilidade social em todo o País.

OBJECTIVOS CONTRADITÓRIOS

No Programa começa-se por afirmar que o objectivo “para o período 2005-2009” é “retomar a convergência com a média Europeia e alcançar em 2009 um crescimento do PIB de 3%” (pág. 5), mas logo a seguir diz-se que isso terá de ser alcançado sob “uma fortíssima redução do défice dos actuais 6,8% para um valor abaixo dos 3% já em 2008 e um esforço de redução da divida pública, dos actuais 67% para 64,6% em 2009” (pág. 5), ou seja, o primeiro objectivo tem-se de submeter ao segundo.

E esta conclusão ainda se torna mais evidente se se tiver presente que, de acordo com o próprio programa, “o objectivo de médio prazo desejável deveria corresponder, no caso português, a um défice subjacente de cerca de 0,5% do PIB”, mas “o défice subjacente projectado para 2009 será ainda de 1,6% do PIB” (pág. 5). A obsessão pelo défice continua e a intenção de o reduzir o défice em apenas 3 anos para um valor inferior mesmo a 3% (2005: -6,2%; 2006:-4,6%; 2007:-3,9%; e 2008:-2,8%; pág. 3), portanto para valores que nunca foram atingidos em Portugal, e ainda por cima num período de grave crise económica do País e de baixo crescimento económico na U.E. de que Portugal está profundamente dependente em termos de comercio externo (cerca de 80% das exportações portuguesas) é apostar na recessão económica e na ruptura e em confrontos sociais. Sobre isso não poderá haver dúvidas.

MEDIDAS MAIS IMPORTANTES CONFIRMAM POLITICA DE OBSESSÃO DO DÉFICE

A análise atenta das medidas mais importantes constantes do PEC2005-2009 apresentado pelo governo confirmam que a preocupação fundamental, para não dizer mesmo exclusiva, é a obsessão do défice orçamental.

Assim, o governo propõe-se implementar medidas na área da saúde, da educação, das finanças locais, da segurança social ( funcionários públicos e também trabalhadores em geral), de aumento de impostos, na área da Administração Pública, no domínio das privatizações, e mesmo no campo dos investimentos, cujos objectivos são sempre , e fundamentalmente, para não dizer mesmo exclusivamente, a redução do défice orçamental. E chega-se mesmo ao ponto de afirmar que se as medidas previstas não forem suficientes para reduzir o défice para os valores previstos, o governo “compromete-se a adoptar medidas adicionais de forma a manter, mesmo em condições menos favoráveis, o objectivo de conseguir um défice público inferior a 3% do PIB em 2008” (pág. 12)., ou melhor, a 1,6% em 2009 (pág.5).

Em resumo, o governo pretende reduzir o défice dos 6,8% do PIB previstos inicialmente para 2005 para 2,8% do PIB em 2008, ou seja, reduzi-lo em 4 pontos percentuais. Como cada ponto percentual corresponde actualmente a 1.400 milhões de euros, quatro pontos percentuais do PIB correspondem a preços actuais a 5.600 milhões de euros (1.120 milhões de contos) de redução nas despesas da Administração Pública, o que é um valor muito grande.

A obsessão pelo défice é clara, e o governo pretende sacrificar ainda mais a Economia Portuguesa, a qualidade dos serviços públicos e o já baixo nível de vida dos trabalhadores e de outras camadas desfavorecidas da população para atingir aqueles valores de défice.

A nível económico, no campo da criação de emprego, de aumentos de salários e das pensões, de combate às graves desigualdades existentes no nosso País, não se encontra prevista qualquer medida no Programa de Estabilidade e Crescimento para o período 2005-2009 com significado que possa inverter o perigoso estado de desaceleração e mesmo de recessão económica e de redução das condições de vida em que o País se encontra mergulhado há vários anos.

MEDIDAS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Para atingir os objectivos enunciados anteriormente, muitas das medidas constantes do PEC2005-2009 são essencialmente medidas visando a redução pura e simples de despesas e não têm como objectivo aumentar a qualidade, eficiência e eficácia dos serviços públicos prestados à população. Para além disso, a sua natureza e a forma como estão a ser lançadas vão determinar naturalmente graves perturbações nos serviços públicos com reflexos negativos na qualidade dos serviços prestados à população. Neste campo verifica-se mesmo uma grande irresponsabilidade que terá como consequência custos económicos e sociais elevados.

Assim, e com esse objectivo, o governo encomendou a consultores externos, naturalmente bem pagos, mas com reduzida experiência e conhecimentos do que são serviços públicos, auditorias cujo objectivo mais importante é a redução de consumos e de pessoal.

Chega-se ao ponto de fixar no próprio PEC2005-2009, como objectivo, antes mesmo de terminar as referidas auditorias “uma redução, ao longo da legislatura, de 10% dos consumos intermédios do conjunto da Administração Pública (pág. 35 ).



A PREPARAÇÃO DE DESPEDIMENTOS E DE REDUÇÃO DE DIREITOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Na área do Pessoal, e com o objectivo de reduzir despesas, o governo pretende dinamizar a chamada “Bolsa de Suprenumerários” para onde pretende atirar todos “os trabalhadores considerados excedentários ou inadequados ao serviço” (pág. 35 do PEC2005-2009), acenando já com as seguintes medidas contra eles: “Ao fim de 3 meses, os funcionários perderão o chamado vencimento de exercício, que corresponde a um sexto do seu vencimento. Enquanto na bolsa, um funcionário não poderá recusar uma proposta de colocação, em condições a estabelecer, sob pena de perder o vinculo à função pública. E como incentivo à saída da Administração Pública para o sector privado” acena-se “ com “o direito automático a usufruir de licenças sem vencimento “ (págs. 35 e 36). Os objectivos são claros: o governo pretende descartar-se daqueles trabalhadores que sejam considerados pelas chefias, muitas delas já nomeadas por ele, como trabalhadores “excedentários ou inadequados aos serviços”. Desta forma o arbítrio pode-se instalar em toda a Administração Pública e será colado a muitos trabalhadores o labéu de “excedentários ou inadequados aos serviços” ( o leitor imagine-se que no seu local de trabalho lhe era colada tal etiqueta, como se sentiria?) .

Na área das carreiras profissionais dos trabalhadores, o governo pretende congelar de uma forma generalizada as progressões nas carreiras até ao fim de 2006 (com esse objectivo até já elaborou um projecto de lei) e “reformar profundamente o sistema de carreiras e remunerações até ao final de 2006, reduzindo substancialmente o número de carreiras, bem como limitando drasticamente os elementos de progressão automática actualmente existentes” (pág. 36).

Neste campo existe já uma experiência, ou melhor, uma tentativa com o mesmo objectivo, que permite tornar transparente aquilo que o governo tem em mente. E essa experiência é a proposta de ACT para os Hospitais SA, agora chamados Hospitais EPE, apresentada aos Sindicatos pelo Ministério da Saúde que tinha e tem os mesmos objectivos e que só não foi para a frente devido à oposição generalizada dos sindicatos.

Os resultados para os trabalhadores dos Hospitais SA dessa “reforma profunda do sistema de carreiras e remunerações” eram nomeadamente os seguintes: (a) Redução do valor hora pago aos profissionais de saúde que variava entre -30% (médicos ) e -10% (restantes trabalhadores); (b) Criação de categorias com outros nomes, onde em cada uma se incluía um grande número de profissões actuais (por ex., a nova categoria “ Especialistas de serviço de suporte” pretendia incluir as actuais categorias “Especialistas de informática”, “Técnicos de informática” e “Pessoal Técnico do Regime geral”, etc,), com redução dos níveis, o que determinava que trabalhadores com diferentes especializações fossem obrigados a realizar, indiferentemente, todas as funções. Esta situação associado a uma redução para apenas 4 níveis e ao aumento do horário semanal de trabalho determinava um redução significativa do valor hora pago a esses profissionais. Foi o 1º caso, em toda a história da contratação colectiva em Portugal, em que uma entidade patronal, neste caso o Ministério da Saúde, apresentou uma proposta de ACT em que defendia uma redução nominal da remuneração hora que os trabalhadores já auferiam.

A juntar a tudo isto está a intenção de impor, como consta do PEC2005-2009 apresentado pelo governo, durante o período compreendido entre 2005-2009 uma “actualização da tabela salarial em 2% ao ano” (pág. 49), quando no mesmo documento se prevê uma taxa de inflação superior em todo o período (2,7% em 2005; 2,9% em 2006; e em todos os restantes anos, uma taxa de inflação de 2,5 ao ano; pág. 54). E como a experiência tem mostrado as previsões do governo relativamente à taxa de inflação são sempre ultrapassadas, o que determina que a redução do poder de compra dos vencimentos ainda seja superior à prevista.

Para além disto o governo tenciona reduzir para 65% do vencimento diário aquilo que o trabalhador terá direito em cada dia que estiver doente. Neste momento ainda não é claro se o trabalhador terá direito àquela parcela de vencimento correspondente aos 3 primeiros dias pois se o esquema for igual ao sector privado não terá direito.

AS ALTERAÇÕES NO REGIME DA CGA E AS CONSEQUÊNCIAS PARA 400.000 TRABALHADORES. Como será calculada a nova pensão de aposentação?

O argumento mais utilizado pelo governo a nível de opinião publica para justificar o não respeito por direitos adquiridos no campo da segurança social dos trabalhadores da AP é que são “privilégios injustificáveis”. No entanto, todos esses “privilégios” foram implementados através diplomas legais aprovados pelo governo. Enquanto tem esta atitude, o mesmo governo já não considera como “privilégio injustificável” que alguém tenha direito a uma pensão de 8.000 euros, com apenas 6 anos de serviço, paga por uma entidade pública, e a receber a partir dos 49 anos de idade acumulando com outros rendimentos.

Devido à sua complexidade e também as consequências graves que terão para os trabalhadores as alterações que o governo pretende introduzir na idade e no cálculo da pensão de aposentação vai-se explicar como mais pormenor a forma como o novo sistema funcionará. Tenha-se presente que vai-se utilizar a pouca informação que consta do PEC2005-2009 (pág. 39), só se podendo ficar a conhecer efectivamente como funcionará após a publicação da respectiva lei. No entanto é já possível dar uma ideia clara daquilo que o governo tem em mente neste campo.

Como se sabe, em 1993, o governo em funções nesse ano decidiu que todos os trabalhadores que entrassem para a Administração Pública depois de 1 de Setembro daquele ano ficariam abrangidos pelo Regime Geral da Segurança, portanto pelo regime que se aplica aos trabalhadores do sistema privado (reforma aos 65 anos, 2% do salário pensionável por cada ano de descontos para a Segurança Social, máximo de reforma 80% do salário pensionável). No entanto, respeitou os direitos adquiridos pelos trabalhadores pois o novo regime não se aplicava aos trabalhadores que entraram para a Administração Publica antes de 1 de Setembro de 1993. Agora a intenção do governo é não respeitar os direitos adquiridos por esses trabalhadores, pois tenciona alterar o sistema de aposentação dos trabalhadores que entraram antes de 1993.

E as alterações anunciadas são nomeadamente as seguintes: (1) Até ao fim de 2005 aplicar-se-á o sistema actual, ou seja, aposentação aos 60 anos de idade, com 36 anos de serviço, uma pensão igual a 90% do vencimento que se estava a receber, e por cada ano a menos de 60 anos uma redução de 4,5% na pensão a que tinha direito se tal não fosse feito (2) A partir de 31 de Dezembro de 2005, por cada ano para além de 2005, o limite dos 60 anos em que um trabalhador se pode aposentar actualmente será aumentado em seis meses (no fim de 2006, a idade de reforma passará para 60,5 anos e assim sucessivamente até atingir os 65 anos), e a pensão referente a este período (depois de 31.12.2005) será calculado da mesma forma que a dos trabalhadores do regime geral, ou seja, multiplicando o número de anos deste período por 2% e pelo chamado vencimento pensionável ou relevante; ( c ) No caso do trabalhador ter anos de serviço antes e depois de 31.12.2005, serão calculados dois valores – uma pensão referente ao período até 31.12.35 utilizando o método de cálculo actual da pensão de aposentação da função pública que chamamos “p1”; a outra pensão relativa ao período posterior a 31.12.2005 utilizando o método de cálculo actual da pensão dos trabalhadores do regime geral da Segurança Social (para isso, considera-se os vencimentos dos 15 anos anteriores à data da sua reforma e actualiza-se esses vencimentos anuais para o ano da reforma com base no Índice de Preços; seguidamente selecciona os dez vencimentos mais elevados e calcula depois o vencimento médio, fazendo uma média aritmética. O valor assim obtido chama-se vencimento pensionável ou relevante, e para obter a pensão referente ao período posterior a 31.12.2005 tem de multiplicar o valor anteriormente obtido pelo número de anos de serviço feitos depois de 31.12.2005 e depois o resultado obtido multiplica-se agora por 2%, ou seja, 0,02); repetindo, é esse valor assim obtido que chamamos “p2”.

A pensão de aposentação que o trabalhador receberá obtém-se calculado a média ponderada, em que os pesos a atribuir a cada uma pensões anteriores são o número de anos de serviço até 31.12.2005 a que chamaremos “n1” e o número de anos de serviço feitos depois de 31.12.2005 a que chamaremos “n2”. Em resumo, a formula matemática utilizada para calcular a pensão de aposentação, que é a de uma média ponderada, é a seguinte: PENSÃO DE APOSENTAÇÃO (dos trabalhadores que entraram para a função pública antes de 1 de Setembro de 1993, e que se aposentem depois de 31.12.2005) = ((p1 x n1)+ (p2 x n2 ) / (n1+n2) [1]

As alterações que o governo pretende impor na segurança social dos trabalhadores da Administração Pública determinarão dois tipos de prejuízos pata os trabalhadores: (1) O primeiro, o aumento da idade de reforma de 60 para 65 anos;(2) o segundo, que não é menos importante, será o de que por cada ano de serviço realizado depois de 31.12.2005 o trabalhador receberá um valor de pensão correspondente apenas a 2% do vencimento pensionável ou relevante, que é o do regime geral, e não 2,5% que é o valor utilizado actualmente para o calculo da pensão de aposentação (os 2,5% obtém-se dividindo os 90% de vencimento a que têm direito pelos 36 anos de serviço que tem de ter para receber uma pensão igual a 90% do vencimento na data da aposentação). Isto significa uma redução de 20% na pensão por cada ano de serviço realizado a partir de 31.12.2005.

O trabalhador comparando o valor que obteve da forma indicada anteriormente com o que obtém utilizando a formula de cálculo actual da pensão de aposentação da função pública ficará com uma ideia da diminuição da sua pensão. No entanto, chama-se a atenção para o facto de que só quando o governo tornar público o projecto de lei é que se poderá ficar com uma ideia clara da perda total e certa para os trabalhadores, pois existem situações que ainda não estão totalmente esclarecidas mas que são importantes, nomeadamente as seguintes: ( a) Como é calculado o vencimento pensionável ou relevante com base no qual se calcula a reforma do período posterior a 31.12.2005, embora já existam declarações do secretário de Estado na Assembleia da República, e são essas que utilizamos aqui; (b) Qual é valor máximo da pensão de substituição do vencimento (90% do vencimento como vigora actualmente na função pública, ou os 80% que é o limite máximo que vigora no Regime Geral da Segurança Social).

A aplicação do esquema que o governo pretende impor poderá determinar situações aberrantes e profundamente injustas como facilmente se concluirá da aplicação a casos concretos. Por ex., poderá suceder que o trabalhador para alcançar o novo limite da idade de reforma tenha de ter mais de 40 anos de serviço, ou que faça descontos que já não têm qualquer efeito na formação da sua pensão de aposentação. Esta última situação acontecerá quando atinja o limite da pensão de substituição que é de 90% do vencimento para os trabalhadores que entraram para a Administração Pública antes de 1993 e é de 80% para os trabalhadores do Regime Geral da Segurança Social, e tenha de continuar a trabalhar para alcançar o novo limite de idade de reforma.

A PREPARAÇÃO DO ATAQUE AO REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL

Na pág. 39 do próprio PEC2005-2009 confessa-se que “de modo a habilitar o governo a tomar as medidas mais adequadas nesta área (Regime Geral) foi criado um grupo de trabalho encarregado de estudar e avaliar as diferentes alternativas de medidas, que deverá entregar a sua avaliação no último trimestre do corrente ano” (2005). E o próprio programa indica que “estas medidas visarão aumentar a sustentabilidade do sistema a longo prazo, tendo em conta a evolução da esperança de vida” (pág. 39). Na pág. 37 do programa diz-se que “a esperança de vida à nascença, actualmente superior a superior a 77 anos, tem crescido de uma forma sustentada , cerca de 10 anos nas últimas três décadas”. No entanto, o programa esquece-se de referir que a previsão para o futuro já não é de um crescimento semelhante, e que as despesas resultantes do envelhecimento da população são em parte compensadas com a diminuição da população mais jovem, e outra parte com o aumento da riqueza criada por cada trabalhador resultante do desenvolvimento cientifico e tecnológico.
Mas o que parece evidente é que se está a preparar um 2º relatório Constâncio, cujos resultados são já mais ou menos conhecidos, como sucedeu com o 1º relatório, e que visam “habilitar o governo a tomar medidas” contra o Regime Geral da Segurança Social, como se afirma no próprio PEC2005-2009.

NA SAÚDE O GOVERNO PRETENDE REDUZIR COMPARTICIPAÇÕES, O QUE ASSOCIADO AO AUMENTO DE IMPOSTOS DETERMINARÁ SUBIDA GENERALIZADA DOS PREÇOS

De acordo com o constante na pág. 42 do próprio PEC2005-2009 o governo tenciona extinguir a “bonificação de 10% na comparticipação dos medicamentos genéricos” e rever o “escalão A de comparticipação de medicamentos, com passagem de 100% para 95%, e o reembolso de doentes crónicos mediante prova de meios, nas situações de rendimento igual ou inferior ao salário mínimo nacional”; portanto um aumento de preços dos medicamentos abrangidos que variará entre 5% e 10%.

Para compensar, e fundamentalmente para ser utilizado na propaganda, o governo promete uma baixa de preços dos medicamentos comparticipados de 3% que seria suportado pelas farmácias e comerciantes de medicamentos (a ver vamos ) e o reembolso da comparticipação perdida pelos doentes crónicos com rendimento total inferior a um salário mínimo nacional (antes teriam de suportar do seu bolso a comparticipação e depois tinham que provar que possuíam um rendimento total mensal inferior a um salário mínimo para serem reembolsados, o que significará na prática que a maioria não será reembolsada da compartição que tiveram de pagar)

É evidente que esta politica de redução de comparticipações nos medicamentos associada ao aumento do IVA, dos impostos sobre os combustíveis, do IT e IA determinará um aumento generalizado dos preços com incidências em 2005 mas fundamentalmente em 2006.

AUSÊNCIA TOTAL DE MEDIDAS PARA REACTIVAR O CRESCIMENTO ECONÓMICO E COMBATER O DESEMPREGO, MA SIM PARA REDUZIR O INVESTIMENTO PÚBLICO

Um aspecto que surpreende em todo este Programa de Estabilidade e Crescimento apresentado pelo governo para o período compreendido entre 2005 e 2009 é ausência quase total de objectivos e de medidas para reactivar o crescimento económico e para combater o grave problema do desemprego que atingiu , no 1º trimestre de 2005, cerca de 550.000 portugueses, o que corresponde a 10% da população activa. Estes problemas – estagnação económica e aumento vertiginoso do emprego - é como não existissem para o governo. As únicas referências que se podem considerar relacionadas com o crescimento económico são relativas ao investimento, e muito negativas.

Assim, logo no inicio do PEC2005-2009 afirma-se que “o investimento público aumentará em média 15% ao ano ao longo da legislatura, compensando parcialmente a redução de fundos estruturais” (pág. 7); portanto, o aumento do investimento público nacional nem conseguirá compensar totalmente a redução prevista no investimento público total, que inclui a parte nacional e a referentes aos fundos comunitários, o que determinará uma diminuição do investimento total público, que nos últimos anos tem diminuído continuamente.

Depois, na pág. 44 do PEC2005-2009 apenas se prevê que “o esforço de modernização e conservação das infra-estruturas, as politicas de solidariedade nacional em apoio ao desenvolvimento regional, incluindo através das SCUTS e da contrapartida nacional para os investimentos financiados pelos fundos comunitários” sejam financiadas somente com “um aumento faseado do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) de 2,5 cêntimos por litro em média a serem introduzidos em 1 de Janeiro de 2006, 2007 e 2008)”;portanto, os investimentos serão financiados pelo aumento dos impostos sobre os combustíveis, o que confirma o seu valor insuficiente face às necessidades do País.

Finalmente, na pág. 52, acaba-se por reconhecer que “o investimento público (abstraindo venda de activos ) sofrerá mesmo alguma redução real até 2007”.

É evidente, que se se verificar uma quebra no investimento público pelo menos até 2007, como se afirma no próprio PEC2005-2009 apresentado pelo governo, é previsível que, por arrastamento, o mesmo se verifique em relação ao investimento privado, o que determinará o agravamento da crise económica e social, mais desemprego e mais recessão.

MAIS PRIVATIZAÇÕES

A privatização maciça das empresas públicas levadas a cabo pelos governos de Cavaco Silva e de Guterres fizeram perder ao Estado um importante instrumento de desenvolvimento e uma fonte importante de receitas para o Orçamento de Estado.

Em termos de financiamento do défice orçamental foi um muito mau negócio. Para concluir isso basta recordar os seguintes dados constantes de um relatório elaborado pelo próprio Ministério das Finanças com o prefácio do ex-ministro das Finanças do PS, Oliveira Martins: Entre 1989 e 1995, as privatizações do sectores bancário e segurador deram receitas ao Estado de apenas 6.827,3 milhões de euros. Entre 1996 e 2001, as receitas arrecadas com a privatizações somaram 15.919,8 milhões de euros, o que somado ao valor anterior totaliza 22.747,1 milhões de euros de receitas. No entanto, segundo um relatório do Tribunal de Contas, os lucros antes dos impostos de apenas 11 empresas públicas e só em 4 anos (1999-2002) somaram 9.176,7 milhões de euros (1.835 milhões de contos), sendo os lucros líquidos, ou seja, depois de pagar os impostos ao Estado, de 7.057,1 milhões de euros (1.411 milhões de contos). Com a privatização de muitas destas empresas, o Orçamento do Estado perdeu uma importante fonte de receitas, e aqueles lucros líquidos e, muitas vezes, até uma parte dos impostos passaram a ser arrecadados pelos grupos económicos que ficaram com essas empresas.

No entanto, apesar desta experiência negativa, de acordo com o PEC2005-2009, “o governo pretende, ainda prosseguir privatizações que, para além do contributo para a consolidação das finanças públicas, através da redução da divida pública, favoreça também o crescimento económico” (pág. 48). A experiência passada mostrou precisamente o contrário. Apesar da venda maciça e muitas vezes ao desbarato de empresas públicas, o País até regrediu em termos económicos.


A APLICAÇÃO AO SECTOR PRIVADO DA MODERAÇÃO DE SALÁRIOS

Antes de apresentar o Programa de Estabilidade e Crescimento o governo afirmou que os vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública iriam aumentar em termos reais, embora de uma forma moderada. Isto significava que iriam aumentar mais do que os preços. Os dados constantes do PEC2005-2009 apresentado pelo governo provam que isso não é verdade.

Na pág. 49 do programa o governo afirma “a actualização das tabelas salariais em 2% ao ano” e na pág. 54 prevê que a taxa de inflação aumentará 2,7% em 2005, 2,9% em 2006, e 2,5% nos restantes anos. Isto significa à partida uma diminuição média dos salários reais dos trabalhadores da função pública em mais - 3%. E isto supondo que a taxa de inflação seja a prevista pelo governo, porque a experiência passada tem mostrado que as previsões do governo ficam sempre abaixo da realidade.

E neste campo o governo não se coíbe de dar uma ajuda às entidades patronais. Assim na pág. 55 do PEC2005-2009 afirma que “é essencial que no horizonte do Programa (2005-2009) a negociação salarial seja realista e tenha em conta as condições acrescida nos mercados internacionais e no mercado doméstico em que deparam hoje os produtos portugueses. Neste contexto, espera-se um crescimento moderado das remunerações reais dos trabalhadores abaixo do crescimento da produtividade” . Tal como o patronato o governo também pensa que o aumento da competitividade das empresas portuguesas passa pela manutenção de baixos salários. E com esse objectivo dá como orientação o que pretende impor à Administração Pública.

UM PROGRAMA NÃO DE CRESCIMENTO MAS SIM DE ESTAGNAÇÃO ECONOMICA

Devido à fragilidade do tecido económico e social em Portugal, a Administração Pública é essencial em Portugal para a coesão social e para o crescimento económico. E mais numa época em que impera uma globalização dominada por uma liberação selvagem que determina uma concorrência global agressiva e muitas vezes desleal que gera inseguranças e a destruição do tecido económico e social nacional. A acrescer a tudo isto numa altura em que o País enfrenta uma grave crise económica e social.

Um ataque como aquele que o governo está a desencadear contra a Administração Pública e contra os seus trabalhadores é não perceber os graves problemas que o País enfrenta, é criar condições para um maior agravamento da crise económica e social.

A juntar tudo isto, e também contrariando o que tem continuamente declarado o governo, o investimento público, que inclui o investimento público nacional e o investimento público comunitário, vai diminuir em termos reais pelo menos até 2007. E isto no cenário mais favorável. Se as exportações não crescerem tanto como o previsto (e poderá acontecer), se o preço do petróleo continuar a subir (poderá suceder) e se o PIB não crescer como o previsto ( e já vimos que o governo e o Banco de Portugal não são fortes em previsões; a prová-lo está o facto do dr. Constâncio afirmar no seu relatório que o crescimento económico em 2005 seria de 1% e três dias depois o ministro das Finanças vir dizer que já não era verdade, pois o crescimento em 2005 seria apenas de 0,8%) , então o governo tomará medidas ainda mais restritivas para que a meta do défice seja alcançada. E tudo em contra-ciclo o que agravará ainda mais a crise económica e social.

Eugénio Rosa
Economista
Tel. 91 757 6313
edr@telapec.pt
[1] A forma de calcular a pensão está mais pormenorizadamente explicada no estudo que está no “site” do Sindicato da Função Pública : www.stfpsa.pt