quarta-feira, agosto 31, 2005

CIDADÃOS AMORFOS...

... OU CONSUMIDORES, CONTRIBUINTES (E PAGADORES DE MULTAS) ACTIVOS??

Por uma questão de princípio, tenho uma opinião bastante positiva face às iniciativas sociais de matriz espontânea. Isto é, se de facto os consumidores têm interesses comuns, é mais que natural que se organizem e que empreendam acções colectivas, como qualquer organização social, empresarial, ou confessional. Porque é que os consumidores hão-de sujeitar-se a agir isolada e descoordenadamente, se outros poderes fácticos, que representam interesses legítimos mas DIFERENTES dos seus, não o fazem? Porque é que os consumidores não hão-de organizar-se, formal ou informalmente (como no caso das acções espontâneas, divulgadas agora facilmente pela “net”), e ter acções tácticas e um pensamento estratégico? Uma actuação concertada? Como qualquer grande Corporação multi-nacional? Por que não? Em que é que os interesses das Firmas e Confederações Patronais, dos Sindicatos, das Associações e Ordens Profissionais, dos Clubes de Futebol, das Igrejas, das Confrarias secretas («Opus Dei», Maçonarias, «Opus Gay», Priorado de Sião, etc.…) são mais defensáveis ou mais nobres do que os das Famílias, das Associações de Pais, das Associações de Moradores, de Cidadãos em geral e de Consumidores? Parece-me que todos nós, de um modo geral, nos revemos muitíssimo mais nestes interesses do que nos das farmacêuticas, das tabaqueiras, dos fabricantes de armas, dos traficantes de drogas, de mulheres ou de crianças, ou das grandes empresas petrolíferas, por exemplo! E todos estes têm, de uma forma ou de outra (legal ou até ilegalmente, como as “máfias”), estruturas hierarquizadas, um pensamento estratégico e uma acção concertada e paciente de “lobbying”, que nós Cidadãos, Consumidores, Contribuintes (e Pagadores de Multas!), para além do clássico sistema de poder político (que é o que se sabe…), não temos nem nunca nos preocupámos em ter. Pessoalmente, eu discordo desta situação e quero reagir contra ela!!

Por isso, porque acho que não perco nada em aderir à acção proposta e me faz sentir bem psicologicamente (como um soldado que não passou ainda à ofensiva, mas precisa de ir disparando uns balázios, para “manter a moral”), vou começar a abastecer só nas pequenas gasolineiras (todas, menos a GALP, a BP e a REPSOL) e reforçar a divulgação desta iniciativa, para ver o que acontece. No mínimo estarei a contribuir, com a minha parte e na medida do que me é exigível, para mostrar que os consumidores não podem continuar a ser tratados como deficientes mentais, tal como são displicentemente tratados há tantas décadas e cada vez mais (basta ver os mais recentes anúncios publicitários!)…

PRESIDENCIALISMO

A insistência do tema "presidenciais" nos nossos meios de comunicação, quanto a mim exagerada face à iminência das autárquicas e, até, do segundo referendo à I. V. G., leva-me hoje a lançar para a discussão a natureza do nosso regime, fixada na Constituição e que não tem sido alvo da atenção que merece. Sobretudo perante o modo como o actual Presidente da República entendeu exercer o seu mandato no ano passado (nomeação de Santana Lopes contra a opinião da "maioria presidencial" e demissão do seu Governo, seis meses depois, contra a opinião da "maioria parlamentar"). Sinto que pode estar na hora de reflectir sobre este assunto estruturante para a evolução da nossa Democracia e aqui deixo este meu primeiro contributo pessoal.


Não acredito num regime que precise de confiar em homens providenciais (acho até que o paternalismo é um evidente sinal de menoridade de uma Sociedade e foi mais um dos nossos coveiros no salazarismo), nem apenas e exclusivamente nos Partidos (que são indispensáveis, mas jamais deverão ter o monopólio do exercício do Poder Político), confio sim no Estado de Direito, que é o enquadramento legal de onde emana a própria noção de Democracia. Aliás, já se viu vezes de sobra que mais vale um tirano a governar num verdadeiro Estado de Direito, do que um genuíno democrata a governar numa “república das bananas”.

O Estado de Direito Democrático é, quanto a mim, a forma mais civilizada, justa e pacífica de se organizar o poder nas Sociedades modernas e desenvolvidas; é assim como o árbitro num jogo de futebol (em que os jogadores representassem os poderes económicos e sociais): pode-se ter os melhores “craques” em campo que, se não existir árbitro, o jogo ou descamba em pancadaria, ou numa fantochada sem interesse nenhum. Aliás, basta até um mau árbitro para se antever logo o que seria uma tal situação... Da mesma forma, com um bom árbitro (por exemplo ao estilo inglês), até jogadores medianos podem eventualmente dar um espectáculo emocionante!

O que acontece na actual Sociedade portuguesa, infelizmente, é que nem árbitro, nem “craques”… Mas eu, como cidadão eleitor, contribuinte, pagador de multas e consumidor, não posso interferir directamente no poder económico (pelo menos à escala do País), mas tenho um voto, só meu, para decidir o Poder Político! E acho que devo usá-lo conscientemente, por isso quero contribuir, em primeiro lugar, para a criação de um Estado de Direito Democrático forte (um bom árbitro), para com isso promover a qualificação dos “jogadores” que temos (trabalhadores, Empresas, Sindicatos, empresários, etc.)!

Em concreto, e para ir de encontro ao tema de debate hoje proposto, acho que seria bom quebrar esse “tabu” mítico do temor do presidencialismo (que aliás tão bons resultados dá em nações tão diferentes como a América – o País mais poderoso do Mundo –, mas também a França – cuja mentalidade e percurso histórico estão reconhecidamente bem mais próximos de nós do que os E. U. A.) e reformar definitivamente o nosso tíbio e ultrapassado “semi-presidencialismo” (que aliás nem está muito bem definido, nem se sabe assumir…)!

Quanto a mim, deveria começar-se por transformar a Presidência da República num magistério de representação, predominantemente protocolar, relativamente neutro face às lutas políticas conjunturais e representativo da generalidade da Nação, eleito por exemplo pela A. R. e pelas Assembleias Legislativas regionais e locais (partindo do princípio que já existissem Regiões também no Continente), em moldes a definir e com um mandato de SETE anos (já que são todos re-eleitos e acabam por lá ficar dez…), como em França, e o Primeiro-Ministro deveria, esse sim, ser ELEITO POR SUFRÁGIO DIRECTO E UNIVERSAL, para um mandato de CINCO anos – ao contrário da A. R., que deveria continuar a ter mandatos de quatro anos, para obrigar os Deputados e os Ministros a colaborarem activamente e a não governarem em função apenas de jogos parlamentares –, com um Programa de Governo e uma equipe governativa que não dependessem da Assembleia da República, mas sempre obrigados a cumprir as Leis que ela produzisse! Assim se separariam eficazmente os poderes Legislativo e Executivo, que hoje se misturam de uma forma demasiadamente promíscua.

Com isto, libertava-se a A. R. da sua responsabilidade na escolha e manutenção dos Governos e libertavam-se os Governos da sua excessiva dependência parlamentar e presidencial, concentrando-se na eficácia governativa, tornada assim mais possível pelo aumento das garantias de estabilidade. E mais ainda, obrigavam-se assim todos os políticos – quer Deputados, quer governantes - a trabalhar em função da COMPETÊNCIA e não das fidelidades partidárias (na maior parte dos casos meramente “aparelhísticas”). Isto, para mim, garantiria logo um salto qualitativo fundamental no nosso sistema político. Mas ouve-se alguém a falar destes assuntos com seriedade? Os papagaios de serviço do nosso medíocre comentarismo “político” (ou melhor, dos “factos políticos”…) abordam estes temas, ou ficam-se antes pelo que as "massas" mais querem ouvir – intriga e maledicência? Estes é que deveriam ser os temas de debate entre os candidatos presidenciais!...

E já agora que expus a minha opinião sobre esta matéria, ainda digo mais: o cargo de Primeiro-Ministro deveria ser eleito como nas sociedades por quotas (ou nos Clubes de futebol!), ou seja, não pelo sistema de um homem/um voto, mas sim com votos proporcionais aos impostos pagos no período governativo anterior! Então o Governo não é, basicamente, um Concelho de Administração dos dinheiros que entram para o O. G. E.? Pois então deveria ser eleito em função do que cada um contribui para o dito! Isso mesmo, tal como estão a pensar, então se as Empresas também pagam impostos (as que pagam…), então também deveriam VOTAR para o Governo (mas não, obviamente, para os outros cargos políticos)!!

Assim se evitaria a tentação do “lobismo” ilícito, uma vez que os verdadeiros contribuintes para o O. G. E. se sentiriam plenamente representados por um Governo eleito desta forma JUSTA e TRANSPARENTE!

Parece um pouco corporativista, esta minha proposta, mas não sendo eu preconceituoso, parece-me bem que a noção de “democracia orgânica” do tempo do Estado Novo não é totalmente descabida e, parecendo uma ideia de "direita", pode ao invés traduzir um ideal de justiça que é, autenticamente, de Esquerda!… E o que é que se poderia ganhar com isto? Um aumento brutal das receitas dos impostos directos (já que ninguém gostaria de perder influência política, ou desperdiçar a oportunidade de aumentá-la licitamente!) e uma aderência mais eficaz do poder político aos poderes fácticos: os filhos (estudantes) com menos poder de voto do que os pais (trabalhadores), os menos produtivos com menos poder de voto do que os mais empreendedores, os contribuintes cumpridores com mais poder político que os "caloteiros", etc....

E esta regra eleitoral poderia aplicar-se a TODOS os cargos executivos – Primeiro-Ministro, Presidentes Regionais e de Câmaras e Juntas de Freguesia –, mas claro que para os cargos legislativos se manteria a boa e “velha” regra democrática de um homem/um voto (mas aí eu introduziria também uma mudança revolucionária, que tentarei explicar em próximo artigo!...).

Resumindo, e ressalvando a evidente radicalidade destas minhas propostas (que talvez só pudessem ir sendo adoptadas muito gradualmente), o que me parece óbvio e urgente discutir é se continua a valer a pena manter este sistema de semi-presidencialismo frouxo e gerador de imbróglios políticos, com um Primeiro-Ministro carregado de poderes e pesadas responsabilidades, mas com uma legitimidade apenas indirecta e repartida pela A. R. e pelo P. R., e um Presidente com uma "vidinha santa", que pode dizer e fazer o que bem quer e lhe apetece, sem ter praticamente responsabilidades na governação, mas com a fortíssima legitimidade de ser eleito por sufrágio universal e directo pela maioria REAL dos votos expressos - legitimidade portanto ainda superior à da Assembleia da República, onde as maiorias se obtêm, por via da complexa contabilidade eleitoral dos círculos distritais, sem necessidade sequer de ter a maioria dos votos (mas aqui atenção, que as alterações que estão na calha, cozinhadas pelos dois maiores Partidos, só virão distorcer ainda mais a actual situação e torná-la ainda mais injusta, com os abomináveis círculos uni-nominais, ao ponto de a representatividade real da Assembleia da República tender para a mais absoluta das farsas! - E voltarei também a este tema).


Muita da estabilidade governativa pode passar, quanto amim, pelas alterações que apresento, ou outras, que vão no mesmo sentido.


Mas, evidentemente, "cuidado com as imitações..." (Sérgio Godinho)