segunda-feira, janeiro 23, 2006

À primeira (por seis décimas)!

E se falássemos então hoje outra vez de Política?

A eleição de Cavaco Silva vem acordar o País para algumas realidades que este tem demorado a reconhecer e que, a partir de agora, não mais poderá ignorar. Alinhemos, desde já, algumas ideias sintetizadas.

Vai instalar-se no Palácio de Belém o primeiro Presidente da República democraticamente eleito a quem o 25 de Abril não diz rigorosamente nada.

Foi eleito Presidente um homem em quem metade dos portugueses confia e a quem a outra metade odeia. Melhor ainda: alguém que um terço do País quase idolatra, mas que a outro terço repugna e que ao restante terço parece ser completamente indiferente.

Vamos ter pela primeira vez em Democracia um Presidente que só a muito custo conseguirá ser de todos os Portugueses (embora eu ainda espere que sim…) e que mais provavelmente não passará do Presidente de metade deles (mais seis décimas!), mas que, na pior das hipóteses, poderá ficar apenas como o presidente de um terço dos portugueses (valha-nos santa bárbara!...).

Elegemos um Presidente que, pelo que (não) apresentou na sua campanha, apenas quer contribuír para um Portugal maior (em quê?! E em quanto – talvez 0,6%?...) e que, paradoxalmente, se proclama liberal, mas pretende colaborar com um Governo socialista o qual, por sua vez, tem uma sólida maioria absoluta no Parlamento, com todos os Partidos da Esquerda, mas tem vindo teimosamente a executar uma política considerada “de Direita”!

Posto tudo isto, que já não me parece nada pouco, e tentando descolar do estafado campo das discussões “clubísticas”, pessoais, simplórias e de vistas curtas que dominam o panorama jornalístico e académico do Portugal de hoje, façamos um esforço para compreender melhor o que se está a passar e porquê e também, não custa muito, para perspectivar com rigor, objectividade e isenção qual poderá ser o significado e as consequências determinantes, para o Futuro do País – de todos nós, mas também dos vindouros e do Território nacional –, destas eleições presidenciais que agora passam à História.

Para além da tangencial vitória de Cavaco Silva, sem passadeira vermelha nem qualquer programa político definido, mas com uma forte determinação de “trabalhar para o bem do País” (com tudo o que isso possa ter de enigmático, esperançoso, ou enganador), temos a contabilizar neste momento mais algumas vitórias e derrotas, algumas importantes e outras nem tanto. Mas igualmente, e isso já me parece mais interessante e revelador, algumas vitórias tácticas que, a prazo, se podem revelar derrotas estratégicas (e vice-versa).

Entre as vitórias tácticas mais frágeis e inconsequentes, podem contar-se as de Ribeiro e Castro, Marques Mendes (e do seu PSD, se é que ainda se pode falar dele) e, igualmente, a do candidato Alegre.

O tempo dirá se esta esperada, mais que anunciada e quase inevitável vitória eleitoral de Cavaco (que deve merecer, sinceramente, os nossos parabéns) não marcará o fim político do CDS/PP e, a mais largo prazo, também do PSD. O certo é que, de momento, estes dois Partidos ficam quase sem visibilidade política nem base social e se arriscam a uma longuíssima cura de oposição, caso o “namoro” do novo Presidente com Sócrates dure até ao fim da presente legislatura (no que eu, contudo, não acredito…).

Quanto ao candidato poeta Alegre – que ontem magnanimemente se proclamou “solidário com essa situação”, a da derrota da Esquerda… –, a sua cantada vitória sobre o seu inesperado rival Soares não me parece suficiente para rigorosamente nada (para atingir um qualquer objectivo ter-lhe-á faltado “apenas” um... golpe de asa? Ou... “quase” tudo?): não chegou para ir à segunda volta (mas “quase”!), ficou muito aquém da votação de Soares em 86 (na 1ª volta, claro), não parece chegar para despoletar uma nova estirpe de “eanismo”, desta vez “alegrista” (com ou sem um “PRD”-a), nem para condicionar ou influenciar o rumo do P. S. e do Governo, nem tampouco para criar um movimento ideológico, político, ou apenas cívico, de renovação. Em contrapartida, à memória de Manuel Alegre ficará inapelavel e definitivamente colado o pesado ónus de ter contribuído determinantemente para a descrença e perplexidade que condenou a Esquerda portuguesa a uma das mais humilhantes derrotas eleitorais desde o 25 de Abril.

Quanto aos outros candidatos que se reclamam de Esquerda e respectivos Partidos, a sua derrota é clara e deve ser devidamente analisada, sob pena de não se extraírem dela as devidas e inadiáveis ilacções e, concomitantemente, não aproveitarem esta soberana oportunidade para proceder a uma séria e profunda revisão do comportamento das forças progressistas em Portugal – nos seus programas, ideologias, métodos, linguagens e simbolismos. Há agora tempo e motivos de sobra para essa reflexão. Assim haja a vontade, o discernimento e, sobretudo, a coragem para tal. Só assim a derrota de ontem poderá trazer consigo as sementes de vitórias futuras!

Sobre Mário Soares não vale a pena dizer muito mais. Encerrou-se ontem definitivamente um ciclo político de trinta anos, marcado pela sua preponderância na vida política portuguesa.

De certa forma, pode mesmo afirmar-se que uma certa ideia do 25 de Abril pereceu ontem. Não a da Liberdade, não a da Democracia, que subsistem como o seu mais nobre legado, mas aquela imagem de igualdade, esperança, felicidade e transformação, associada aos seus propósitos mais radicais e ousados, dá hoje fatalmente lugar ao realismo descrente de um País que sabe estar na hora de olhar mais em frente do que para o passado e em que as realidades do presente, com todos os seus perigos, desafios, oportunidades e misérias, estão já muito longe do quadro mental, social e político que dominou Portugal nas últimas três décadas. Esse 25 de Abril morre em paz, de velhice e sem ser pela vitória de um qualquer 24 de Abril – eis o principal significado da última derrota política do velho leão Soares.

Todavia, o Partido Socialista e José Sócrates registam também uma profunda e significativa derrota política, que poderá ser apenas táctica, mas que corre o sério risco de, a seu tempo, se revelar igualmente estratégica. E que é tanto mais grave quanto é a segunda em menos de um ano de governação com maioria absoluta, mono-partidária, e iniciada num “estado de graça” quase virginal! É pois inevitável que se sucedam as naturais consequências desta humilhante derrota do Partido e do Governo.

Por mais que o (ainda?) Primeiro-Ministro procure minimizar estas evidências, o facto incontornável é que o P. S. sofreu ontem um violentíssimo abalo, de consequências imprevisíveis. É pena, pois até estava, na minha óptica, a governar bastante bem. É pena, porque a sua política, apesar de bastante mal explicada e injustamente incompreendida por quem dela mais vai beneficiar (os agentes económicos e sociais) e pela generalidade das forças de Esquerda, estava a ser muito necessária a um País quase por refazer.

Mas está provado que governar, fazer política, não é tarefa para tecnocratas. Não basta ser um bom governante, se não se for pelo menos um político suficiente, mediano. A derrota a que o P. S. de Sócrates inutilmente se expôs, que levianamente subestimou, é pesada de mais para ser arrogantemente ignorada. O Governo vai agora ficar com uma base social de apoio perplexa, confusa, heterogénea, desanimada, desmotivada. Mesmo que continue a governar bem – o que não é garantido nas novas condições políticas que se adivinham! –, há factores de sucesso que não poderá mais controlar. A confiança, acima de tudo, mas também a compreensão e a tolerância para com os sacrifícios que está a exigir. E é isso, entre muitas outras coisas, que lhe poderá vir a ser fatal. Ninguém se deveria sentir à-vontade com uma representatividade política de 14,3% nas eleições mais recentes. Mesmo que as sondagens se mantenham favoráveis.

E se o inquilino de Belém, afinal, era indiferente ao Primeiro-Ministro, mais honesto então teria sido não apoiar qualquer dos candidatos. Soou demasiado cínica a demonstração de desagravo e agradecimento a Soares ontem à noite. É que não basta segurar bem no leme. É preciso também saber para onde se vai. E os portugueses sabem para onde irá agora este Governo?

E por último, Portugal. Ganhou ontem, ou perdeu? Quanto a mim, ganhou sim, mas o sebastianismo, o paternalismo sobranceiro, o tradicionalismo imobilista, o "Medo de existir". Perdeu a modernização do País, o progresso social, a esperança transformadora, o arranque do Futuro! Mas resta saber se a nossa Sociedade, neste momento, estará preparada para mais. Receio bem que ainda não.

Após uma ditadura de quase cinco décadas, uma guerra de treze anos, um traumatismo revolucionário, uma descolonização improvisada, uma quase bancarrota, uma adesão europeia muito mal conduzida, um optimismo deslumbrado, parolo e sem consistência e uma degradação perigosa da confiança nos políticos e na República – que considero uma das causas mais profundas e importantes da esmagadora derrota do verdadeiro símbolo vivo do Portugal de Abril! –, após uma avalanche de desastres sociais muito graves – nas Finanças, na Economia, na Saúde, na Educação, principalmente na Justiça e na Segurança Social, na Administração Pública –, o tecido social português está profundamente doente, tremendamente debilitado e não suportaria o tratamento de choque que uma certa “élite” cultural e política de Esquerda insiste em ministrar-lhe, convencida de que só assim poderemos aproximar-nos depressa das mais comezinhas realidades europeias da actualidade.

Erro fatal. O nosso pequenino Portugal, atrasadinho e tacanho, talvez precise ainda, desgraçadamente, do clorofórmio cavaquista para se preparar bem para a grande e inadiável cirurgia do seu amadurecimento como País e como Nação. Que carece da “equipa médica” mais determinada e competente que alguma vez tenha actuado na nossa vida política! E que não pode ser – outra vez, não! – uma mera cirurgia plástica.

Porém, é para mim óbvio que os motores e as forças propulsoras dessa patriótica tarefa de autêntica transformação nacional – e não só regeneração, como se tentou fazer há mais de cem anos sem resultado – terão seguramente que ser procurados entre os derrotados de ontem, se e quando souberem estar preparados para a levar por diante. Estoicamente. Determinadamente! Amorosamente…

Estamos a necessitar de alguém em Portugal com a visão e o calibre de um Bismarck, de um Roosevelt, de um Olaf Palme, de um Delors! Precisamos do melhor, sim, para resgatar todas as nossas misérias e falhanços históricos desde há quatrocentos anos, para nos redimir de todos os nossos Sidónios e possidónios, cabrais e marias da fonte, Dom Miguéis e gomes da costa, salazares e… cavacos!

E de nada adianta agora chorar sobre o leite derramado. Está na hora de repensar Portugal! Cabe-nos a nós restaurarmos a esperança no Futuro do nosso País. A confiança no desabrochar de um Portugal moderno, civilizado, pacífico e, tanto quanto possível, mais próspero para os nossos filhos.

A nova Direita está já pronta para este desafio, mas a nova Esquerda dorme ainda inconscientemente dentro do ventre exausto e já pútrido da sua velha mãe, que não mais tem condições para a suportar nem para adiar o seu nascimento.

Trata-se agora de pegar no testemunho que nos foi legado por todos quantos lutaram no passado, não por um Portugal maior, que volta sempre a encolher, mas por um Portugal MELHOR, e compreender qual o sentido da sua luta no nosso presente. Só assim se conseguirão resultados e vitórias. Já agora, se possível, ainda na nossa geração! A tal, não é, que registou uma vergonhosa “falta de comparência” nestas eleições presidenciais!…

Ao trabalho, pois, que se faz tarde!