sexta-feira, junho 15, 2007

O «CONSENSO TÉCNICO»!

Requisito prévio imprescindível nas decisões mais importantes?


Afirma o ilustre Eng.º Luís Leite Pinto (um dos meus melhores professores no Instituto Superior Técnico), apenas mais um de entre os muitos Engenheiros portugueses que, recentemente, se tornaram fervorosos militantes “anti-OTA”, que para ele “nada há de mais patético do que um ignorante a falar de Engenharia!”.

Independentemente de se poder considerar pouco rigorosa (e facilmente rebatível), esta peremptória afirmação, digna aliás de um bom jornalista, pode-se contudo suavizá-la por generalização, transformando-a em algo mais comedido e consensual, tal como: “é muito lamentável e, por vezes até, patético ouvir um leigo argumentar furiosamente sobre algo de que nada percebe!”.

O meu Pai, na sua vigorosa e incontida expressividade alentejana, glosava por sua vez este tema usando uma outra frase, de sabor popular (e recorte literário bem mais interessante): “percebe tanto do que está a falar como eu percebo de lagares de azeite!” (o que até nem se pode considerar lá muito ofensivo, atendendo à proximidade que qualquer alentejano da sua geração acabava por ter com a aludida instalação fabril…)!

Vem isto a respeito de um conceito original e muito invocado, no momento presente, a propósito do Aeroporto da Ota (há quem prefira a designação, bem mais tecnocrática e iliterata, de “projecto OTA”, assim com três maiúsculas, como se de uma sigla se tratasse): o tão propalado “consenso técnico”! Que se afigura à primeira vista tanto mais importante quanto, à partida, parece já irrealista vir a formar-se o desejável (e aparentemente fácil) consenso político a respeito deste assunto…

Consenso técnico” seria então uma condição prévia a exigir para a implementação do novo Aeroporto de Lisboa, como porém não o foi para nenhuma outra obra portuguesa, pelo menos de magnitude comparável, até ao presente. Talvez porque nenhuma delas tenha tido tanta importância e projecção? No mínimo, discutível …

Consenso técnico” é, aliás, algo que em Portugal nunca existiu sobre coisa nenhuma (nem em lugar algum do Mundo, que se saiba, talvez até porque seja uma exigência inatendível…)!

Não existiu para o “Complexo de Sines”, não se verificou para a Barragem de Alqueva (nem para a de Foz Côa…), nunca chegou a haver para a localização da Ponte Vasco da Gama, nem houve para o traçado das principais Auto-estradas, nem para a beneficiação da Linha do Norte, nem existe ainda para a definição do prolongamento da rede do Metro lisboeta, para a construção ou não de centrais nucleares, etc. etc., etc. (e por aí adiante)!…

Consenso técnico”, todavia, será talvez uma condição obrigatória, a partir de agora, para todos os grandes investimentos nacionais, presumivelmente não só no campo da Engenharia!

Até porque esta nova exigência de “consenso técnico” não foi ideia de nenhum lunático, de nenhum tele-espectador (ou participante do “Fórum TSF”), de nenhum jornalista, de nenhum “técnico”, de nenhum líder político (ou mero tribuno parlamentar), de nenhum Ministro. Esta descoberta do “consenso técnico” é obra de Sua Excelência o Senhor Presidente da República Portuguesa!

E é, de facto, uma criação política e intelectual maravilhosa! O “consenso técnico”, pelo menos nas questões mais relevantes, é mesmo uma coisa de que nenhum técnico jamais se lembraria!

Vejamos alguns bons exemplos: foi preciso construir o Centro Cultural de Belém, a Casa da Música, reconstruir o Chiado? Pois deveríamos ter aguardado por um “consenso técnico” entre os Arquitectos!

É preciso construir uma terceira travessia rodoviária sobre o Tejo, em Lisboa, entre Algés e a Trafaria? Apenas quando (e se) se verificar um “consenso técnico” entre os Engenheiros Civis (os de Estruturas, pelo menos)!

É necessário definir o traçado da Linha de Alta Velocidade junto a Lisboa e a localização da respectiva Ponte sobre o Tejo? Vamos aguardar, claro, pelo “consenso técnico” entre os Engenheiros de Transportes!

É urgente reduzir o “défice” das contas públicas? Pois exijam-se medidas que assegurem um “consenso técnico” entre os Economistas!

É preciso modificar o Código de Processo Penal, ou outro equivalente? Vamos esperar pelo “consenso técnico” entre todos os Juristas!

É imprescindível julgar os acusados dos processos Casa Pia, Apito Dourado, etc.? Vamos ter de aguardar primeiro por um “consenso técnico” entre todos os Juízes (inclusivé, preferentemente, os do Tribunal Constitucional)!

É preciso decidir entre uma intervenção cirúrgica delicada, ou outro tipo de terapia, relativamente a qualquer um de nós ou familiar próximo, em caso de doença fatal (lamento, mas coisa mais importante não há, por mais que isso custe ao País): nada faremos enquanto não estiver assegurado o indispensável “consenso técnico” entre todos os Médicos!


Então se tudo isto é tão razoável, como não exigir também um “consenso técnico” relativamente à construção do novo Aeroporto de Lisboa?


Vamos contudo esperar que este novo requisito do “consenso técnico” não se limite às grandes decisões, antes se estenda às médias, às pequenas e, porque não, a todas as deliberações da nossa Administração Pública, desde a aprovação de uma moradia (ou de uma simples “marquise”!), até à avaliação dos alunos do 1º ano do Ensino Básico, passando pela estratégia de combate aos fogos florestais (ele há-de haver “consenso técnico” em todas as áreas de saber, do saber fazer, etc.)!

Para ficarmos plenamente convencidos de que as decisões, pelo menos as que dizem respeito aos nossos dinheiros comuns, são absolutamente inquestionáveis, não poderemos jamais dar-nos ao luxo de dispensar as virtudes desta sagaz e genial descoberta que foi o “consenso técnico”!

A qual possui, aliás, uma outra grande vantagem, ainda não adequadamente explicitada (talvez porque menos acessível aos espíritos mais alvoroçados…): passando a haver a necessidade de “consenso técnico” em tudo quanto for decisão pública (e quiçá privada, desde a SONAE ao Condomínio onde moro, passando pelo ACP e pela Fundação Berardo…), deixará de ser necessária a verificação do cumprimento e mesmo a própria existência de Normas e Regulamentos Técnicos, que aliás tanto embaraçam os nossos decisores, muitos dos nossos investidores e os Cidadãos em geral!

Já alguém quantificou o tempo que será poupado ao País sem estas exigências mesquinhas?

Mas, afinal, em que Mundo teremos nós vivido até hoje? Como foi possível à Humanidade ter evoluído tanto sem esta descoberta de valor incalculável e que tanto promete ao nosso Futuro colectivo como é a do “consenso técnico”?...

quarta-feira, junho 13, 2007

AGORA ALCOCHETE!



Mais seis meses para, finalmente, se... “chutar à baliza”?
(ou as consequências de uma decisão importante)

DIA DE PORTUGAL + 1 (11 de Junho de 2007): Céu muito nublado...

O Governo dá seis meses a um organismo especializado competente (o L. N. E. C. – Laborat. Nacion. de Eng.ª Civil) para estudar a viabilidade técnica de uma “nova” hipótese de localização do futuro Aeroporto de Lisboa. Sim, depois de já ter sido tomada uma decisão “final” sobre este assunto, há oito anos (nunca contestada pelos Governos posteriores)!

Esta "nova" hipótese de localização, porém, não é verdadeiramente nova: já existia aquando da realização de todos os estudos precedentes (é um campo de tiro militar). Porquê então estudá-la agora (ou voltar a estudá-la?...)?

Porque a Oposição parlamentar, os meios de comunicação (a opinião dita pública), uma corporação industrial e um vasto conjunto de "especialistas" pressionaram o Presidente da República para interferir neste assunto, que é da exclusiva competência do Governo!

Mas, agora, VAMOS AO QUE IMPORTA. O que acontecerá a seguir? Vejamos.

Se daqui por seis meses (se o prazo for cumprido...) não for demonstrada a referida viabilidade técnica, o Governo tem ainda várias opções possíveis:

1ª) avançar, finalmente, com a construção do Aeroporto da Ota (desperdiçando-se embora mais seis meses, pelo menos);

2ª) mandar estudar a viabilidade técnica (num prazo de seis ou mais meses) de “novas” localizações que entretanto “surjam” (quem sabe até se nalguma nova ilhota no Mar da Palha, de preferência plana, formada por uma súbita erupção vulcânica…);

3ª) re-avaliar de novo todo este processo, mediante a consideração de terceiras alternativas reclamadas pela “sociedade civil”, tais como a “Portela mais um” (ou “Portela mais dois”, ou “Portela mais três”, ou mesmo “Portela mais n”), ou que, entretanto, sejam eventualmente alvitradas de novo pela Confederação da Indústria, ou pela Confederação do Comércio, ou pela Confederação da Agricultura, ou pela Ordem dos Engenheiros, ou pela Ordem dos Arquitectos (e das Arquitectas), ou pela Ordem dos Biólogos, ou pela U. G. T., ou pela “Intersindical”, ou até, quem sabe, pelo próprio Presidente da República!...

Por outro lado, veja-se agora o que poderá acontecer no caso (muito provável) de, daqui a seis meses, vir a ser demonstrada a viabilidade técnica da hipótese Alcochete, dando ao Governo ainda mais alternativas (todas exigindo mais e mais tempo), para além das já enunciadas, nomeadamente:

1ª) Mandar efectuar um estudo técnico comparativo entre as duas soluções então declaradas viáveis, Ota e Alcochete (somar mais seis a doze meses?);

2ª) Mandar efectuar um Estudo de Impacte Ambiental para a solução Alcochete, que avalie a dimensão dos problemas que se antevê venham a existir com a Comissão Europeia (no caso de esta solução violar, como se prevê, normas comunitárias sobre a matéria), propondo igualmente as indispensáveis medidas de minimização dos impactes ambientais (adicionar mais um a dois anos?);

3ª) Estudar modelos alternativos de financiamento para o novo Aeroporto em Alcochete, que permitam ultrapassar uma eventual perda dos importantíssimos fundos comunitários, destinados à construção do mesmo, pelo motivo indicado no número anterior (acrescentar mais cinco a dez anos?)!

O Povo enfim sossega, os industriais ficam descansados, o Presidente da República tranquilizado, a Oposição triunfante, os jornalistas e comentadores políticos exultantes...

Mas alguém ainda acredita que, por este andar, algum dia gritaremos “GOLO!”?...

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(artigo “dedicado”, entre outras personalidades, a Miguel Sousa Tavares, ao Prof. Eng.º José Manuel Viegas, ao Eng.º Luís Leite Pinto e ao ex-Presid. da C. M. de Lisboa, Eng.º Carmona Rodrigues)