terça-feira, março 28, 2006

TOMAR A INICIATIVA EM NOSSAS PRÓPRIAS MÃOS?

(conclusão)

No próximo Domingo, dia 2 de Abril, iremos celebrar orgulhosamente o trigésimo aniversário da promulgação da C. R. P. (Constituição da República Portuguesa). Nunca em Portugal um regime democrático e de liberdade, em normalidade constitucional, foi tão duradouro e, seguramente, isso constitui um grande motivo de satisfação, apesar dos sérios problemas que nos afligem.

Todavia, ao cabo destas três décadas de Democracia estabilizada e institucionalizada, é forçoso reconhecer que os resultados práticos da intervenção da nossa classe política no tocante à Regionalização são confrangedores.

Tendo sido consagrada, sem quaisquer polémicas, logo na primeira versão do actual texto constitucional, a par e em total igualdade de circunstâncias e princípios com a descentralização municipal e as autonomias insulares, a realidade é que, bem ao contrário destes dois importantes avanços legados pelo derrube da Ditadura, a instituição das autarquias regionais nunca foi posta em prática, primeiro por incúria e desinteresse dos nossos governantes e parlamentares, depois por motivo de uma rebuscada negociação politico-partidária que, há sete anos, espantosamente fez depender a concretização deste indisputado preceito constitucional de uma consulta referendária a qual, apesar de legalmente NÃO VINCULATIVA, resultou numa resposta negativa por parte do eleitorado, à implementação da proposta concreta de Regiões Administrativas então submetida ao sufrágio popular, e se tornou num poderoso argumento político dos adversários da Regionalização, que assim nem sequer precisam de promover a correspondente alteração constitucional para, na prática, inviabilizarem o cumprimento do disposto na nossa Lei Fundamental sobre esta matéria!

Se somarmos este desempenho desastroso da nossa classe política ao deplorável estado de esclarecimento da população portuguesa sobre este assunto, resulta claro que, sem uma drástica inversão deste processo, a Regionalização em Portugal continuará, por muitos anos, a não passar de uma miragem!

Ao mesmo tempo que praticamente todos os nossos parceiros na União Europeia vão continuando a gozar, perante Portugal, das vantagens competitivas e demais benefícios decorrentes de já terem, oportunamente, avançado com esta fundamental reforma administrativa e habituado as suas sociedades a com ela normalmente conviverem e dela naturalmente disfrutarem.

Ao invés, em Portugal, na maior parte dos casos, o cidadão medianamente informado ainda continua apenas a associar a “Regionalização” aos excessos deploráveis do estilo de Alberto João Jardim (apesar de não deixar de reconhecer os aspectos inegavelmente positivos da nossa experiência regionalista, particularmente na Região Autónoma da Madeira…), a uma suposta “corrupção generalizada” da nossa classe governativa, sempre brandida pelos órgãos de comunicação social mas não devidamente investigada e analisada, e sobretudo à profunda e reconhecida ineficácia, de um modo geral, da actual Administração Pública portuguesa, temendo consequentemente pelo alastrar sem controle daquilo a que, na consagrada linguagem do jornalismo e “comentarismo” político lusos, se entendeu cunhar de “despesismo”…

Por outro lado, constata-se preocupantemente que, sempre que um político ou governante aborda o tema, imediatamente se suspeita de que apenas o faz para daí tirar dividendos próprios, imediatos ou de curto prazo, deixando no ar a ideia de não ser de facto genuína e convicta a sua preocupação e empenho num assunto que, todos o sabemos, é estruturante do nosso quadro constitucional, politicamente complexo, tecnicamente transversal e socialmente trans-geracional e que, por isso, não pode ficar entregue a um só partido ou um só governo, muito menos a meras facções ou protagonistas de “capelinha” e de ocasião.

Perante este quadro verdadeiramente desolador, há porém alguns “líricos” que não desistem de relevar os benefícios da descentralização administrativa, que continuam a apontá-la como sendo o caminho desejável e já percorrido pelos principais Países democráticos do Ocidente civilizado, muito em especial pela esmagadora maioria dos nossos parceiros europeus, e que, no fundo, teimosamente não desistem de acreditar que, algum dia, Portugal conseguirá por fim aceder a semelhantes níveis de progresso social e político, aliás inseparáveis do ansiado desenvolvimento material e económico do País, que todos proclamam almejar.

Detecta-se assim neste quadro uma notória contradição: a Regionalização é incontestavelmente inatacável, “em teoria”, mas acontece que “na prática”, “neste País” e com “esta classe política incompetente”, conclui-se que quaisquer vantagens decorrentes de acompanharmos os novos tempos e os nossos mais próximos companheiros de percurso na cena internacional reverteriam, objectivamente, em tremendas desgraças para a Nação, já não apenas financeiras, mas quiçá potenciando o surgimento de ódios e desavenças que, felizmente, não conhecemos na nossa Pátria desde os tenebrosos e conturbados tempos da Ditadura e da I República que a antecedeu, ou até, sabe-se lá, desde essa terrível e silenciada Guerra Civil subsequente ao advento do Liberalismo, nos inícios do Séc. XIX!!

Como ultrapassar então esta aparentemente insolúvel dificuldade?

Acredito que, tal como por exemplo para a manutenção da nossa saúde é preciso contar com médicos e enfermeiros, assim como com farmacêuticos, socorristas, analistas e outros técnicos de Saúde, e também, a outro nível, com os administradores hospitalares e outros decisores, mas a parte mais importante cabe-nos a nós próprios, no estilo de vida que escolhemos e nos cuidados vários que nos impomos, igualmente é preciso reconhecer que, para a prossecução deste nosso objectivo da Regionalização, haverá certamente um papel relevante a desempenhar pelos políticos e legisladores, outro – e bem importante! – pelos técnicos e especialistas da matéria (claramente transversal e multi-disciplinar, de experiências e saberes), mas o papel realmente decisivo caberá a todos nós, individual e colectivamente!!

Só com uma efectiva pressão da Sociedade portuguesa, nas mais diversas formas e manifestações estruturadas e orgânicas da mesma e após uma alargada e descomplexada discussão sobre este tema, é que me parece possível um dia tornarmos este sonho realidade.

E neste complexo papel que cabe à Sociedade e que não pode ser usurpado nem desempenhado por mais nenhum protagonista todos os elos, todos os níveis, pequenos ou grandes, elevados ou básicos, são igualmente importantes. Assim como este espaço de divulgação e debate.

Mas creio poder estar na hora de, em conjunto, pensarmos em levar um pouco mais longe esta nossa dedicação à causa da Regionalização! Com todas as nossas limitações pessoais e na medida das possibilidades de cada um, gostaria de vos desafiar a todos, entusiastas, meros curiosos e até aos que não nos acompanham nesta convicção, mas que entendam útil promover o aprofundamento desta discussão, a pensar em eventuais formas de solidificação deste núcleo de reflexão que se tem vindo a forjar a partir deste “blogue”.

Seja como associação, clube, ou qualquer outra forma adequada, poderia ter como missão o desenvolvimento de acções de debate, divulgação, esclarecimento, até com convidados de estruturas partidárias ou de órgãos de soberania, mas nunca se submetendo aos seus “timings” ou às suas estratégias. Aqui fica este embrião de uma ideia que já acalentava, mas que o convívio neste espaço fortaleceu.

Aguardo por agora as vossas reacções, que o artigo já vai longo e hoje é dia de emoções noutros terrenos (fique claro que não sou benfiquista, apenas um genuíno entusiasta do futebol!)…

GOVERNOS CIVIS: DEZOITO OU CINCO?

Na passada Sexta-Feira foi tema de um conhecido programa radiofónico matinal de debate público o anúncio, feito pelo Governo, de pretender, a prazo, reduzir o número de Governadores Civis dos actuais dezoito, correspondentes aos Distritos do Continente, para cinco, acompanhando assim o número de «Regiões-Plano». Esta medida inserir-se-ia, supostamente, numa necessária reforma do aparelho de Estado conducente à sua adaptação atempada, tendo em vista já a futura Regionalização.

Pois bem, houve logo quem saltasse a terreiro criticando este anúncio (bastante inóquo, aliás, já veremos porquê), ou por ser demasiado tímido, ou então porque já seria um exagerado primeiro passo para uma “imposição intolerável” da Regionalização, que mais dia menos dia estaria em marcha de uma forma irreversível e sem o indispensável debate, para mais “contra a vontade do eleitorado”, expressa no Referendo de há sete anos!

Antes ainda de se tentar clarificar esta histeria injustificada, acrescente-se que, ao longo de todo o programa, se deixou ficar (muito por culpa de alguns dos políticos intervenientes, mas também do comentador de política nacional entrevistado logo no início) a ideia errónea de que a Regionalização implicaria o fim dos Governos Civis. Ou seja, pouco ou nada se contribuíu, na prática, para o esclarecimento público no tocante a uma matéria tão relevante e delicada quanto mal conhecida…

Bom, mas vamos então ao fulcro da questão: qual a relação entre os Governos Civis e a Regionalização? Teoricamente, nenhuma. Isto porque os Governos Civis constituem órgãos desconcentrados do poder central, que deverão continuar a existir independentemente de se implementar ou não a Regionalização. Estão sobretudo ligados ao Ministério da Administração Interna e exercem funções de soberania NACIONAL, essencialmente ligadas à Protecção Civil e à Segurança Pública. Poderão naturalmente ver um pouco reduzidas as suas competências com a Regionalização, mas nada de muito importante, atendendo a que as citadas matérias nem sequer são das que maior vocação possuem para ser descentralizadas.

Concluindo: em princípio o Governo faz bem em ponderar adaptá-los à estrutura espacial das actuais «Regiões-Plano», uma vez que, após a Regionalização, continuarão a ser necessários e convém que estejam devidamente articulados com a nova estruturação administrativa do País subsequente à mesma.

Não têm por isso quanto a mim razão de ser as (incompreensíveis) críticas do PSD que, após quase quatro anos de Governo em que nada adiantou ou opinou quanto a este cargo, clama agora, com uma bizarria e impunidade política só compreensíveis pela situação actual deste Partido, que os Governadores Civis deveriam ser de imediato nada menos do que extintos, tudo por causa do “défice”, evidentemente! Patológico, sem dúvida. Sintomático e bastante desolador.

Em primeiro lugar porque, de acordo com a nossa Constituição, os Distritos serão obrigatoriamente mantidos até à “instituição em concreto” da Regionalização. Concorde-se ou não com esta disposição que, diga-se de passagem, também não abona grandemente em favor dos conhecimentos dos constituintes, iniciais e revisionistas, quanto a esta matéria…

É até com base nesta imposição constitucional que o Governo se escuda para não proceder desde já à pretendida redução, se bem que, numa interpretação mais técnica e menos formalista do texto constitucional, me pareça que a manutenção dos Distritos não obrigaria a que, a cada um, correspondesse um Governo Civil. Mas admito a opinião contrária, não sendo eu especialista em Direito Constitucional, e aceito as “desculpas” do Governo.

Daí que, na prática, esta sua proclamada intenção seja como disse bastante inóqua, porque nada adiantará, eventualmente, sem uma revisão constitucional, que permita a sua concretização prática.

Perdem razão por este motivo igualmente as críticas do Bloco de Esquerda, que após ter combatido a proposta concreta de Regionalização submetida a referendo exige agora a redução imediata do número de Governos Civis para cinco, como se isso viesse de alguma forma contribuir para a descentralização administrativa!

No final de tudo isto, resta assim apenas a louvável intenção do Governo de trazer este assunto de novo à discussão pública, ficando-se com a ideia de que estará de facto a fazer o seu “trabalho de casa” na perspectiva da Regionalização, mas pairando igualmente a sensação de que pretendeu explorar em demasia esta sua tímida intenção, dado que, na prática, a adaptação das estruturas do Estado à Regionalização só interessa, por definição, ao próprio poder central e não traduzem, em concreto, nem um milímetro que seja de avanço neste processo, ao contrário da ideia que, aparentemente, se parece pretender deixar no ar…

Quanto à medida em si, para além das “boas intenções” que lhe possam estar subjacentes, parece-me óbvio que, não tendo qualquer relevância efectiva para a verdadeira descentralização administrativa que se pretende através da Regionalização, só poderá no fundo trazer meros benefícios de ordem económica para o País (insignificantes), que não para o interesse público, uma vez que a supressão de treze Governos Civis constituirá, ao invés, uma drástica redução da desconcentração actual do aparelho do Estado, afastando ainda mais Cidadãos dos seus serviços e tornando a administração tanto mais longínqua quanto esta mudança seja efectuada… antes da implementação da Regionalização!

E é claro que esta medida afectará, mais uma vez, muito especialmente quem viva fora das cinco grandes “capitais regionais”: Porto, Coimbra, Lisboa, Évora e Faro…

A menos que se mantenham nas actuais sedes de Distrito algum tipo de serviços, do género das “Lojas de Cidadão”, que mesmo na ausência de Governador Civil assegurem, com maior nível de proximidade, as suas actuais funções. É pois uma questão a seguir atentamente.

Quanto à descentralização administrativa, como se vê, é assunto totalmente diverso. Mas algo se pode sempre ganhar com esta discussão de hoje: é importante sublinhar que a Regionalização não implicará o desaparecimento dos órgãos desconcentrados da Administração Central nem, muito menos, a proximidade entre o Estado e o Cidadão (e, por maioria de razão, as Autarquias e as Regiões!) no tocante aos assuntos que são da sua competência própria. Por outras palavras: a Regionalização não se fará CONTRA o Estado! Nem contra o Poder Local!

É muito importante sublinhar este aspecto, até porque constitui o âmago de muitas das desconfianças e preconceitos contra a Regionalização.

Que é um processo que não deve ficar associado a nenhum Partido, nenhum Governo, nenhuma ideologia! Trata-se de uma profunda reforma democrática do Estado, que deve fazer-se com o máximo consenso e respeitando todas as opiniões adversas. Que também é necessário compreender. Para melhor se poderem desmontar e modificar, pela persuasão e esclarecimento.

Para evitar fracturas sociais e políticas nocivas num processo que terá de ser de todos, pacífico, abrangente e necessariamente lento e feito com todo o cuidado, como o foi aliás nos restantes Países europeus (e não nos esqueçamos de que apenas a Finlândia e o Luxemburgo ainda não o concretizaram, no segundo caso por razões evidentes…).

sexta-feira, março 10, 2006

TOMAR A INICIATIVA NAS NOSSAS MÃOS?

É confrangedor o estado de conhecimentos da nossa classe política sobre a Regionalização.

É aterrador pensar o que isso significa relativamente ao estado de esclarecimento da população portuguesa sobre este assunto.

Na maior parte dos casos, o cidadão medianamente informado associa a “Regionalização” ao referendo que há sete anos lhe sentenciou um “não”, aos excessos deploráveis do estilo de Alberto João Jardim (apesar de reconhecer os aspectos inegavelmente positivos da experiência autonómica, particularmente na Madeira…), à corrupção da nossa classe política, em especial a dos autarcas, mas sobretudo à ineficácia da actual Administração Pública portuguesa, temendo pelo agravar sem controle daquilo a que, na consagrada linguagem do jornalismo e comentarismo político lusos, se cunhou de “despesismo”…

Perante este quadro desolador, há alguns “líricos” que insistem em relevar os benefícios da descentralização administrativa, que apontam esse como o caminho natural que foi percorrido pelos principais Países democráticos do Ocidente, em especial da esmagadora maioria dos nossos parceiros europeus, que no fundo não desistem de acreditar que, um dia, Portugal conseguirá aceder a semelhantes níveis de progresso social e político, inseparáveis do ansiado desenvolvimento material e económico.

Detecta-se assim neste quadro uma claríssima contradição: a Regionalização é incontestavelmente inatacável, “em teoria”, mas acontece que “na prática”, “neste País” e com “esta classe política incompetente”, quaisquer vantagens decorrentes de acompanharmos os novos tempos e os nossos companheiros de percurso na cena internacional reverteriam, objectivamente, em maiores desgraças para a Nação, quiçá com o surgimento de ódios e desavenças que não conhecemos na nossa Pátria desde os tempos da Ditadura ou até, sabe-se lá, da terrível e silenciada Guerra Civil subsequente ao advento do Liberalismo.

Como ultrapassar então esta aparentemente insolúvel dificuldade?

(continua)