quinta-feira, agosto 10, 2006

REGIONALIZAÇÃO, COMPETITIVIDADE E COESÃO

A instituição das Regiões Administrativas no Continente poderá permitir, pelo menos a prazo, a criação e o desenvolvimento não só de verdadeiras “élites” regionais, como sobretudo de sólidas opiniões públicas regionais, com base no amadurecimento da “sociedade civil”, que conduzirão as Regiões mais deprimidas do nosso País a níveis de desenvolvimento mais homogéneos e consentâneos com aquilo que poderíamos definir como a sua “riqueza intrínseca”.

Foi, aliás, um processo desta natureza, pelo facto de ser desde há séculos a Capital de Portugal, que fez de Lisboa a urbe portuguesa mais próspera, apesar de eventualmente não possuir, à partida, mais “riqueza intrínseca” do que outras cidades e regiões do nosso País.

A implementação das futuras Regiões, não sendo nenhuma panaceia mágica para combater o atraso sócio-económico, sobretudo o do Interior, poderá contudo fazer muito por esse desiderato. Pelo menos a prazo, volto a sublinhar.

Parece-me no entanto ser de salientar a necessidade de se ultrapassar a crença simplista de que o atraso económico se combate com dinheiro, ou seja, com investimento público maciço. Não é assim e, se não bastasse o que nos aconteceu na primeira década da nossa adesão à U. E., teríamos um Continente inteiro, como a África, para o demonstrar.

O sub-desenvolvimento combate-se sim, mas com políticas coerentes, sustentadas em estratégias adequadas e instrumentos específicos, que também passam por investimentos públicos, mas não se esgotam nesse domínio. Mais: a constatação continuada de que o dinheiro público nunca acabará, mesmo que os resultados não surjam, constitui um perverso incentivo à ineficiência e ao desperdício, o que significa, a prazo, retrocesso certo dos níveis de “desenvolvimento” artificialmente conquistados (aconteceu nos últimos vinte anos em Portugal, como todos sabemos).

Posto isto, investir fundos públicos sem garantias da sua correcta aplicação e gestão pode ser bem pior do que não investir de todo: transformando-se num incentivo à indolência e à desqualificação social!

A competitividade entre Regiões é sem dúvida um factor estimulante, se bem que não deva ser elevada a objectivo em si, mas apenas um meio, geralmente eficaz, para se atingir a excelência – mas indissociável de estratégias globais de complementaridade e coesão.

As Regiões devem por isso saber competir entre si, mas também e sobretudo cooperar, na busca de soluções mutuamente vantajosas, sempre que possível.

Em minha opinião, o investimento público deve ser usado como fonte de geração de riqueza e não como dispêndio em “objectos” de consumo. A realidade mostra que, tal como a maioria das famílias se endivida para consumir e não para investir, os fundos a aplicar no Algarve, ou em qualquer outra Região, devem servir para “ensinar a pescar” e não para “comprar peixe”.

Infelizmente, não é isso que se tem constatado, por todo o País (Lisboa obviamente incluída) na aplicação dos fundos comunitários.

É por esta razão que, antes de se “esbanjar” o pouco que nos resta dos quadros comunitários de apoio, precisamos de exercer uma saudável auto-crítica para com os poderes existentes – central e autárquico -, como forma de evitar que o poder regional venha a enfermar dos mesmos vícios. Ou que muita gente se oponha à sua instituição, para que o “mal” se não propague…

Permitam-me a pergunta, muito directa: se os fundos do próximo Q. C. A. a canalizar, por exemplo, para o Algarve fossem superiores, haveria onde aplicá-los com elevada rentabilidade?

Dito de outra forma: há algum modelo de desenvolvimento sustentado para a Região do Algarve que não passe pela contínua e exaustiva transformação da ocupação do solo em empreendimentos turísticos de rentabilidade local muito duvidosa e futuro mais do que incerto? E é com base na "riqueza" gerada por este modelo de desenvolvimento que se pode pretender ver o Algarve ascender a níveis de vida muito semelhantes aos das regiões mais prósperas do País?

Já agora, não nos esqueçamos de que a Região de Lisboa e Vale do Tejo já só recebe umas “migalhas” dos fundos comunitários, por habitante, pelo que terá de continuar a aplicar-se muito mais para que os seus níveis de riqueza relativa, pelo menos, se mantenham.

Mas a verdade é que, no que respeita à coesão nacional, são os Cidadãos da Região de Lisboa e Vale do Tejo que mais financiam o O. G. E., ou seja, que mais dão o que é seu às restantes regiões do País. E se o fazem, não é porque o dinheiro não lhes faça falta nos seus orçamentos...

Por isso, para que esta noção de saudável solidariedade inter-regional se não perca, acho que o debate sobre a Regionalização não deve usar, muito menos abusar, da identificação da Região mais "rica" do País como “inimiga” das outras e do processo descentralizador!

Pelo contrário, só dando as mãos poderemos um dia ver o nosso sonho concretizado. Mantendo a competitividade em níveis salutares, mas não esquecendo a complementaridade e a solidariedade.

É que as quezílias do tipo “bairrista” são, como se sabe, o "gérmen" de muitos dos argumentos anti-regionalização…