quinta-feira, setembro 27, 2007

Mitos do "jacobinismo" (?), ou... do SALAZARISMO?


A propósito de um simples Artigo da “blogosfera” e dos comentários, muitos e apaixonados, que suscitou, verifico a permanência de um potencial de conflitualidade na Sociedade portuguesa no que toca a certos temas mais polémicos da nossa História recente, como a 1ª República e as “Lutas Liberais” (eufemismo consagrado para a nossa terrível Guerra Civil, cem anos antes da espanhola), já para não falar do Estado Novo e do Colonialismo, ou da própria Restauração.
Parece, aliás, que tudo o que respeita ao período pós-filipino é ainda muito polémico e se encontra mal digerido, de um modo geral, pela nossa opinião pública, desde o vulgar Cidadão ao meio jornalístico, intelectual e mesmo académico. De facto, se até Alcácer-Quibir de uma forma geral todos nós concordamos e até nos sentimos ufanos da nossa “História Pátria”, a consciência (ou a sub-consciência…) nacional ainda se encontra muito perturbada com tudo o que veio posteriormente, desde a progressiva perda do Império e da influência internacional, até ao nosso declínio enquanto Nação, social e culturalmente falando. Talvez até porque esse mesmo declínio, após o apogeu quinhentista, ainda não tenha terminado e não se vislumbre bem a que profundezas nos conduzirá…
Por outro lado, não pode ignorar-se a distorção que a implacável propaganda do Estado Novo, sobretudo ao nível do Ensino público, provocou na percepção comum dos factos históricos, dificultando ou mesmo impedindo a necessária investigação científica e a livre discussão destes assuntos, o que originou o avolumar de mitos e de autênticos tabus sobre certas matérias, deformando por muitas décadas uma interiorização consensual do nosso Passado histórico, muito importante enquanto factor de identificação e de unidade nacional. Tudo a pretexto de uma pretensa justificação “histórica” para um regime absolutamente injustificável e que, consequentemente, só provocará, a prazo, o oposto do que pretendia…
Tudo isto se agrava e amplia pelo facto de sermos um País culturalmente pequeno e muito pobre, sem capacidade de divulgação maciça da nossa História e até do ficcionamento contextualizado dos eventos históricos, como acontece na generalidade dos Países culturalmente desenvolvidos – veja-se o que é por exemplo o conhecimento dos factos históricos decisivos, sobretudo da fundação dos E. U. A., por parte da generalidade dos norte-americanos, ou o papel de Hollywood (ou, “entre nós”, da BBC) na criação de conceitos históricos consensuais, minimamente certificados pela comunidade científica e aceites pela generalidade dos Cidadãos, dispondo consequentemente de um elevado potencial integrador e colectivamente identificador para a respectiva população.
Em Portugal, sem indústria cinematográfica, sem criação literária ou dramática nem políticas editoriais, sem mercado cultural e sem grandes meios para a investigação histórica, a discussão destes temas não sai de um círculo restrito de entendidos (e alguns curiosos), que não têm força suficiente para contribuir para o desmantelamento dos mitos cuidadosamente forjados pelo muito prolongado e eficaz “tratamento” salazarista, sobretudo no tocante aos aspectos mais vincadamente ideológicos, relacionados em especial com as nossas relações históricas com a Espanha (e com a Inglaterra), com o Liberalismo, a Democracia, a República, o Estado de Direito e a separação entre o Estado e a Igreja Católica, claramente expressos numa aversão irracional e dogmática aos ideais libertadores das Revoluções americana e francesa, ao Liberalismo (passado apenas em voo rasante e envergonhado nos programas escolares, ainda no meu tempo) e, consequentemente, ao 5 de Outubro.
Excepções a este triste panorama, em termos de divulgação popular dos grandes temas históricos, para além de Camões, foram unicamente alguns autores românticos, em especial Alexandre Herculano, bem como, mais recentemente e a outro nível, os programas iniciais de José Hermano Saraiva na RTP, o que é manifestamente muito pouco.
Fica por isso a sensação de que resta ainda muito a discutir sobre a nossa História mais recente, de uma forma objectiva e desapaixonada, o que justifica a intensa troca de argumentos na caixa de comentários do referido “blogue”, a respeito do citado Artigo, apesar de um dos seus editores ter chegado a considerar esta discussão “um pouco apatetada”. Olha se o não fosse!...
Da leitura desse Artigo e respectivos comentários, alguns muito interessantes, posso modestamente adiantar que me parece carecerem desde logo de alguma clarificação séria os seguintes aspectos:
– Ninguém medianamente são e no seu juízo perfeito pode defender o regicídio, ou qualquer outro homicídio, enquanto acto concreto, o que não quer dizer que não se lhe reconheça, a posteriori, importância histórica no desenrolar dos acontecimentos subsequentes, nomeadamente (neste caso em concreto) no derrube da Monarquia em Portugal (como no derrube do czarismo, ou na «Gloriosa Revolução» de Cromwell, na Inglaterra de Seiscentos, etc.);
– Ninguém de bom senso e intelectualmente honesto pode sustentar que o simples facto de ter tido um regicídio na sua génese retira legitimidade histórica ao novo Regime republicano, ou muito menos confere qualquer espécie de legitimidade póstuma ao regime deposto a 5 de Outubro, isto numa óptica democrática, evidentemente;
– Também a Revolução Francesa, cuja importância histórica me dispenso de realçar, marcada por dois regicídios cruéis (as decapitações públicas de Luís XVI e, depois, de Maria Antonieta, ainda que sustentados num processo judicial, mas bastante discutível, mesmo para os parâmetros da época) e sendo inequivocamente o berço de todos os “jacobinismos” e “Terrores” da época contemporânea (Vermelhos, mas também Brancos), nem por isso deixa de constituir um passo gigantesco, pelas conquistas irreversíveis que impôs, no caminho que conduziu a Humanidade aos modernos conceitos (sempre inacabados) de Democracia, Liberdade e Direitos Humanos (ou alguém imagina que os rei e rainha assassinados, mais a respectiva e régia descendência, poderiam alguma vez ter-nos conduzido a tais avanços civilizacionais sem cometer os terríveis erros e os inevitáveis excessos da Revolução ou até, quem sabe, em menos tempo?…);
– De igual modo, o dia nacional dos franceses (14 de Julho) comemora a simbólica Tomada da Bastilha, na qual a multidão parisiense, esfaimada e enfurecida, linchou à pancada, entre muitos outros “inocentes”, o afável Marquês de Launay, Comandante da respectiva guarnição – será que por isso todos os franceses (Presidentes da República incluídos…) se podem considerar agentes do terrorismo internacional?
– E será que o proclamado Estado Novo, instaurado para pôr cobro aos supostos “desmandos” da República, será um bom exemplo de republicanismo, ou não terá antes sido uma forma mitigada de restaurar, no essencial ainda possível, o sistema económico e social vigente na obsoleta Monarquia portuguesa? Que republicanos confessos apoiaram Salazar? Que monárquicos o combateram convictamente, denodadamente? Por que razão nunca se consagrou oficialmente, durante quase cinco décadas de “Estado Novo”, a expressão vincadamente republicana de “Presidente da República”, sempre substituída eufemisticamente pela de… “Chefe de Estado”? O qual, aliás, nunca em quarenta e oito anos deixou de ser um cargo praticamente VITALÍCIO e ocupado por um Militar de alta patente, como manifesta sublimação duma indisfarçável vontade de manter a mais alta magistratura nacional sempre… na mesma “família”?
– E, por último, convém esclarecer do que se fala quando se trazem à baila as ditas monarquias actuais da Europa do Norte (ou mesmo de Espanha), que nada, rigorosamente nada têm em comum com a nossa deposta Monarquia (e muitas outras do Sul da Europa e não só, como a Áustria-Hungria imperial, a Turquia otomana, ou mesmo a Alemanha do “II Reich”), que constituíam verdadeiros sistemas sociais de castas, sem Cidadãos, mas apenas com súbditos, que possuíam direitos e deveres naturalmente desiguais! Pois as monarquias actuais da Europa do Norte (bem como a espanhola) têm efectivamente tanto das monarquias tradicionais como, por exemplo, tem hoje em dia de comunista a Rep. Popular da China! Argumentar por isso com uma suposta oposição política fundamental entre a República e essas ditas Monarquias constitucionais é escamotear o facto essencial de que a única (e quase diria irrelevante) diferença entre ambos os sistemas está num único e exclusivo aspecto, meramente super-estrutural: a chefia do Estado, nos Países “monárquicos”, é vitalícia e hereditária, o que porém pouco ou nada influi na condução das políticas desses Estados, dados os reduzidíssimos poderes constitucionais que, na prática, os soberanos detêm!
Tirando este aspecto ÚNICO, com reflexos a um nível meramente simbólico, a realidade é que as Monarquias europeias actuais estão claramente, inquestionavelmente muitíssimo mais próximas da nossa 1ª República do que da nossa deposta Monarquia!…
Alguém tem dúvidas disso?
Então, por favor, não continuem a olhar para a Suécia, para a Holanda, para a Dinamarca, ou mesmo para a Espanha, como um corvo olha para um espantalho – porque o que parece, efectivamente NÃO É!…

quinta-feira, setembro 13, 2007

E O QUE É QUE O IRRITA A SI EM JOSÉ SÓCRATES?




O que é que o irrita em José Sócrates?

“He is shallow!”. Não há palavra em português. Não tem um fundo cultural político, uma visão histórica do país, um pensamento organizado sobre a sociedade portuguesa. É “shallow”. Não tem dois milímetros de profundidade!

(Extracto de uma recente e conhecida entrevista de Vasco P. Valente, historiador, ao jornalista Ant.º José Teixeira; à mesa do Restaurante Gam… - enfim, para publicidade, já basta a entrevista propriamente dita… -, como seria de esperar em Portugal…)



Três aspectos mais salientes desta extensa entrevista (cujo “sumo”, aliás, se resume a esta pequena amostra):

1º) José Sócrates, Licenciado em Engenharia Civil e Primeiro-Ministro de Portugal, eleito com base na primeira maioria absoluta do Partido Socialista desde sempre em Democracia, irrita o famoso entrevistado. Porquê? A resposta é dada, como é de bom tom nos tempos que correm, por recurso a um vocábulo inglês: porque é “oco”, ou melhor, porque não tem “espessura”!

Um vetusto historiador, ex-governante e Deputado e actual “analista político”, formado em Filosofia por uma Faculdade de Letras e doutorado numa Universidade anglo-saxónica, deixa-se irritar por um jovem Primeiro-Ministro por este não possuir... “espessura” intelectual e cultural! Que é como quem diz, afinal, o seguinte: em primeiro lugar, por Sócrates não possuir a sua idade (ser muito mais novo); em segundo lugar, por ter já conseguido aquilo que V. P. V., com toda a sua experiência, categoria social e superioridade intelectual nunca conseguiu em toda a sua vida, nem há-de conseguir; terceiro, por não ter passado pelo crivo académico da honorabilidade jurídico-filosófica, indispensável à “certificação” cultural dos nossos governantes, antes ter enveredado, pasme-se, por uma formação quantitativa e técnica!

Está tudo aqui, todos os motivos da irritação de uma certa "classe política, jornalística e empresarial" com o actual Primeiro-Ministro e com tudo aquilo que ele representa. V. P. V. não poderia ter sido mais claro!

2º) A relevante questão da língua: para as actuais “élites” culturais e intelectuais portuguesas, o uso do inglês tornou-se uma espécie de caução social para uso interno, uma forma de reconhecimento “dos seus”. O conhecimento, mais ou menos profundo, da Língua inglesa é assim exibido como uma demonstração de superioridade intelectual, face não só à maioria de ignorantes que constituem a população portuguesa (incluindo-se nessa maioria todos os que, mesmo possuindo uma formação superior, não se vergam à dominação linguística e cultural do mundo anglo-saxónico), como igualmente face àqueles que, pelos padrões culturais da moda, pertencem a uma “élite” já ultrapassada, que fez escola durante o fascismo e a Revolução e teve ainda uma formação política dominada pelo marxismo e uma “doutrinação cultural” tutelada pela intelectualidade francófona.
Para V. P. V., Portugal é tão mesquinho que a própria terminologia que usa para qualificar os motivos pelos quais o seu Primeiro-Ministro o irrita tem que ser intelectualmente superior – ainda que isso possa diminuír o alcance e a eficácia comunicacional da sua argumentação…

3º) Os majestosos conceitos de “fundo cultural político”, “visão histórica do País” e “pensamento organizado sobre a Sociedade portuguesa”, alegadamente alheios à personalidade de José Sócrates, demonstram como a crítica ao actual Primeiro-Ministro se coloca no domínio da pura ideologia, no sentido mais lato desta palavra.
“Fundo cultural político” seria algo que, em Portugal, apenas teria tido, por exemplo, um Mário Soares, um Sá Carneiro, um Freitas do Amaral. Já para não falar, como é óbvio, de um Álvaro Cunhal... Todos licenciados, claro está, em Direito! V. P. V., que presumo não seja nada “shallow” (seja o que for que isso signifique para ele), verá um dia quão injusta a História será para com ele próprio…

"Visão histórica do País": alto lá, que aqui fala o Senhor Professor! E decerto só ele saberá qual terá sido a “visão histórica”, por exemplo, de D. Afonso Henriques (que nem sequer tinha ainda História de Portugal para visionar, mas que nem por isso lhe terá faltado a respectiva visão…), ou a "visão histórica" de D. Manuel I, ou de D. Sebastião, ou de D. Miguel, ou então a de Fontes Pereira de Melo, ou de Duarte Pacheco! Com “visão histórica” quererá talvez V. P. V. dizer "noção dos limites que o respeitinho pelos mais velhos deve induzir"?! Ou será antes mera "desculpabilização das atitudes próprias", por parte de certos governantes, com base na sua interpretação muito pessoal (destes, ou então de VPV?) da História de Portugal? Bem, mas se for assim, só vejo mesmo uma personagem com verdadeira “visão histórica” em todo o Séc. XX português: Oliveira Salazar! Será então desta “visão histórica” que V. P. V. terá saudades, não tendo coragem para no-lo confessar?...

Por último, o tal “pensamento organizado sobre a Sociedade portuguesa”. Bonito, sem dúvida...
Não entro sequer por aí. Os factos falarão por si e o julgamento histórico de Sócrates, feito por verdadeiros e imparciais historiadores, o dirá. Sublinho, apenas, a total ausência de pensamento organizado sobre a Sociedade portuguesa (a real, não a mítica, das nossas “élites”-carangueijo, sempre com a cabeça virada para trás…), demonstrada por muita gente que tem desempenhado os mais altos cargos políticos em Portugal (alguns até em mais do que um posto-chave) desde esse ano fatídico de 1979, a qual nos conduziu à deriva e ao descontrolo que caracterizam o nosso País na actualidade. Deriva, desnorte, descontrolo, descalabro económico e mal-estar social que, evidentemente, deveriam ter sido despistados e, preventivamente, combatidos se tivesse havido, nesses últimos quase trinta anos, um pingo que fosse do tal pensamento organizado sobre a Sociedade portuguesa que, agora, é imputado como lacuna a José Sócrates!

Muito pelo contrário, o Portugal visível e mensurável de hoje é apenas a herança pútrida duma geração falhada que teve, como expoentes máximos da sua “élite”, vultos intelectuais do calibre de VPV…

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sexta-feira, setembro 07, 2007

REGIONALIZAÇÃO: DO CENTRO PARA A PERIFERIA,


ou antes… DO TODO PARA AS PARTES?

A Regionalização é, em toda a Europa, tida por uma forma de descentralização política e administrativa que toma como “palco”, ou base territorial, a Região, entendida como um espaço de vivência social e de identidade, o qual está hierarquicamente colocado a um nível inferior ao da Pátria, mas superior ao do Município, ou da Localidade, em que se reside.
Como forma de descentralização, pressupõe naturalmente uma transferência de poder, que terá assim de ser “cedido” por alguma outra instância.
Normalmente, verifica-se uma transferência vertical de Poder por parte do “Estado” (ou melhor, da Administração Central, já que as Regiões e as Autarquias, em rigor, também integram o Estado) para os órgãos regionais, acompanhada de alguma transferência complementar de sentido inverso, isto é, dos Municípios para as Regiões, embora isto possa variar e ter cambiantes próprias caso a caso, de País para País, consoante as fórmulas adoptadas e a organização política e administrativa em questão.
Muita gente está porém convencida, ou talvez mal informada, de que esta transferência pode acarretar uma perda de influência, ou uma maior “fraqueza”, aos órgãos nacionais do Estado. Partem do princípio simplista de que, ao transferir poderes para as Regiões, o aparelho governativo central sofrerá uma redução na sua capacidade de acção, na sua legitimidade, na sua autoridade. Nada mais errado!
Alguém, aliás, colocou esta questão absurda quando em Portugal se decidiu implementar o Poder Local Democrático? Ou quando chegou a vez de concretizar as Autonomias insulares? É óbvio que não...
No caso das Autarquias, porque o poder que a Administração Central deteve, em tempo idos, neste domínio se podia considerar, à luz do princípio da subsidiariedade (que é fundamental, como se sabe, na construção europeia), um poder “usurpado”, por não corresponder àquilo que são as verdadeiras funções cometidas ao Estado central, antes respeitando exclusivamente a decisões que “apenas” interessam às populações locais respectivas.
De igual modo, também o poder a transferir para as Regiões é, na mesma medida, um poder exorbitado, que constitui até um peso, uma sobrecarga para o próprio Governo e as restantes instâncias da Administração nacional. Porque o poder que, pelo processo de Regionalização, será transferido da Administração Central para a Regional será “apenas” o relativo àqueles assuntos que dizem exclusivamente respeito ao território e às populações residentes em cada uma das novas Regiões.
E alguém duvida de que qualquer governante gostaria de ser desobrigado de perder o seu escasso tempo e dispender os seus sempre insuficientes recursos a cuidar das problemáticas mais díspares e localizadas nos mais improváveis recantos do todo nacional, que não conhece em pormenor, nem é obrigado a conhecer, para exercer competentemente a sua nobre e árdua missão?
Não faz, por isso, qualquer “mossa” ao Estado que o poder de decisão sobre os assuntos regionais não seja exercido por órgãos políticos e administrativos de índole nacional. Como não fez nenhuma falta ao Estado deixar de ter a prerrogativa de nomear, de tantos em tantos anos, os Presidentes de todas as Câmaras Municipais do País, como antigamente. Imagine-se, até, o que isso seria hoje!
Essa transferência de poder, neste caso para os Concelhos, não diminuíu em nada o alcance e a legitimidade do Governo português, antes simplesmente o aliviou de uma responsabilidade e de uma “dor-de-cabeça” para o qual ele não está, nem tem que estar, vocacionado.
Parece-me, contudo, pertinente clarificar aqui uma questão que se vem tornando cada vez mais insistente numa certa retórica pró-regionalização mas que, a meu ver, não só enviesa esta discussão, ao nível dos seus elevados princípios, como até arrasta eventualmente algumas opiniões menos sólidas e fundamentadas para o campo do anti-regionalismo.
Trata-se da visão que pretende assimilar a Regionalização a um processo de transferência de poder do Centro para a periferia. Concretizando, para que todos entendam mais rapidamente: como uma “conquista” de poder das outras Regiões face à Capital do País, Lisboa!
Usando a linguagem de certa argumentação, confunde-se grosseiramente a excessiva concentração de poder nos órgãos nacionais com uma alegada concentração de poder na Região, ou mesmo na população, de Lisboa, o que em nada concorre para uma compreensão correcta do fenómeno, conseguindo ainda pelo caminho afastar alguns lisboetas (ou outros portugueses, mais temerários ou prudentes) de uma posição pró-Regionalização mais convicta e mais expressiva, temendo poder vir a sua Região a sofrer injustamente com esse processo, nomeadamente em termos do destino das verbas de investimento público.
Não sendo este o meio mais adequado ao aprofundamento destes temas, limito-me apenas a evidenciar que a Regionalização, apesar de ser de facto uma forma de descentralização (e talvez o erro provenha de uma interpretação demasiado literal desta consagrada expressão…), não corresponde por isso a “mais poder para as periferias” e “menos para o Centro”. Isto é, se assim, fosse, as vantagens da Regionalização deveriam ser crescentes quanto maior fosse… a distância a Lisboa (o que levaria ao absurdo de a Regionalização ser mais importante para Rio de Onor, Melgaço, Vilar Formoso, Elvas, ou Vila Real de Santo António, do que para Penafiel, Mortágua, Sines, Porto de Mós, ou Monchique…)!
A Regionalização não é, portanto, tirar poder às regiões “centrais” para o dar às periféricas, por outras palavras, não é “tirar poder a Lisboa para o dar às restantes Regiões”!
Lisboa-Região ­– a sua população e o seu território –, ao contrário do que generalizadamente se pensa, nada ganha com o excesso de centralismo actualmente existente nos organismos nacionais! Não é por causa dele que, por exemplo, foi já resolvido o arrastado problema do fecho da C. R. I. L., do sistema de transportes públicos, das condições de assistência médica e de apoio educativo, nomeadamente em termos da (mais do que insuficiente) rede pública do ensino pré-escolar, entre muitos e muitíssimos outros problemas desta Região, de que poderá não se falar muito, mas que não deixam por isso de existir, como aliás raramente se fala dos problemas de âmbito regional das outras Regiões do País, precisamente porque os principais órgãos de informação, por serem de nível nacional, se preocupam apenas com os temas de incidência nacional!
A Regionalização, tal como foi entendida e praticada extensivamente nos nossos parceiros europeus, consiste não numa transferência de poderes do “centro” (a Capital do País) para a “periferia” (outras Regiões), mas sim, em rigor, do “todo” nacional para as suas “partes”!
Em que a própria Região “central”, sendo mais uma dessas “partes”, é também beneficiada, em absoluto pé de igualdade com todas as outras! Ou seja: o poder que vai ser “tirado” ao Governo e “distribuído” pelo Porto, Coimbra, Faro, Évora, Braga, Santarém e respectivas Regiões, vai-o ser, na mesmíssima medida, também “dado” à Região de… Lisboa! Assim como Madrid, Paris, etc. também “ganharam” poder, e muito, com a Regionalização dos respectivos Países!
Porque efectivamente o Poder a transferir não irá ser “retirado” a nenhuma Região, nem sequer à “Capital”, mas sim ao País no seu todo!
E o País, no seu todo, agradece porque, distribuindo e delegando responsabilidades, passa a funcionar mais racionalmente!
É pois da maior urgência combater aqui ideias falsas e mitos erróneos, criados e alimentados de propósito pelos detractores da Regionalização (ou então, inconscientemente, por alguém sem a noção dos prejuízos que nos pode causar) e passarmos a ver a descentralização, que é consubstanciada por uma verdadeira Regionalização, como um processo isento de bairrismos, mesquinhezes e consequentes afirmações balofas de superioridade regional, que aliás existirão sempre em certas mentes, quer haja ou não a Regionalização, sendo por isso totalmente laterais e irrelevantes para esta discussão que, num espaço de debate desinteressado e aberto, como este, se deve procurar ser o mais possível pedagógica…

quarta-feira, setembro 05, 2007

Autonomias e Regionalização

Descubra as diferenças.

Nem todos conhecem de cor as diferenças entre a natureza daquilo a que se chama as Autonomias Insulares dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira e aquilo que se designa por Regionalização.

Há até muitos que tendem a confundir ambas as coisas. As diferenças, porém, são significativas e profundas.

Tratando-se aqui da Regionalização numa perspectiva pedagógica, generalista e sem quaisquer intuitos académicos ou especializados, limitar-nos-emos a enunciar aqueles aspectos que mais vincadamente distinguem ambos os conceitos, tal como eles estão definidos no ordenamento português.

Simplificando, temos que as Autonomias açoriana e madeirense são a concretização de Regiões Administrativas levadas ao grau extremo de descentralização possível num Estado unitário. Isto é, tirando os casos de Estados Federais (como a Alemanha, ou os Estados Unidos, entre outros) ou de Confederações (como a Suíça), as Regiões Autónomas são o expoente máximo da descentralização.

Em Portugal isso é definido na prática, nomeadamente, por três contornos essenciais:

1º - Autonomia financeira:
Significa que as Regiões Insulares não contribuem para o Orçamento Geral do Estado (embora dele recebam verbas), gerindo assim em pleno as respectivas receitas fiscais;

2º - Autonomia administrativa:
Implica que, nos territórios autónomos, não existam órgãos da Administração Central, os quais se encontram substituídos por entidades similares, mas dependentes do Governo Regional;

3º - Autonomia legislativa:
Ao contrário das Assembleias Municipais, as Assembleias Regionais podem elaborar e aprovar Leis, aplicáveis nos respectivos territórios.

Tudo isto diferencia as Regiões Autónomas das Regiões Administrativas previstas na Constituição para o território do Continente, as quais não possuirão nenhuma destas três prerrogativas.

Conclui-se, assim, que comparar as actuais Regiões Autónomas com as futuras Regiões Administrativas é quase como comparar o Sport Lisboa e Benfica com o Sport Lisboa e Olivais (sem menosprezo para qualquer destes Clubes), atentas as significativas diferenças referidas.

De facto, as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira são mais comparáveis às designadas Comunidades Autónomas de Espanha, do que às futuras Regiões continentais, as quais possuirão, por sua vez, características políticas e administrativas muito mais próximas dos actuais Municípios, sendo por isso também justamente denominadas Autarquias Regionais.

Para além das já citadas diferenças, acresce ainda que os seus responsáveis máximos não possuirão a qualidade de Conselheiros de Estado, nem será possível a cobrança de impostos regionais.

De igual modo, as futuras Assembleias Regionais não deterão poderes legislativos e, nos territórios das futuras Regiões Administrativas, continuarão a existir órgãos desconcentrados da Administração Central (as Direcções Regionais dos Ministérios e dos Institutos Públicos e os futuros Governadores-Civis Regionais).

De salientar ainda que, na Madeira e nos Açores, a presença da Administração Central está limitada, tanto quanto sei, à Administração Interna (não existem Polícias Regionais) e à Justiça, para além da existência de uma espécie de Governador-Civil, intitulado Ministro da República, com funções muito reduzidas (embora importantes).

Outra diferença bastante evidente entre os dois conceitos de Região reside no facto de a “instituição em concreto” das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira não ter precisado nem do voto favorável dos portugueses, em Referendo nacional, nem do voto favorável e sequencial dos açorianos e dos madeirenses, em Referendos regionais relativos às respectivas Regiões Autónomas, ao contrário do que há dez anos foi imposto aos portugueses do Continente, pelos Deputados, em sede de revisão constitucional…

Ant.º das Neves Castanho (Lisboa).